Um olho azul e outro verde. Além da simpatia, foi o que mais me chamou a atenção desta gatinha branca. Fui pesquisar e descobri que este tipo de felino é chamado popularmente de gato de olho ímpar. Geralmente, um é azul e o outro olho varia de verde a marrom. O mesmo pode acontecer em cães e humanos, esta última espécie os casos são ainda mais raros. O que acontece é uma alteração em um dos cromossomos responsáveis pela quantidade de melanina nos olhos. Chama-se Heterocromia.

 

 

O professor do curso de Medicina Veterinária da PUCPR e geneticista Enio Moura explica melhor sobre este fenômeno.

 

O que é heterocromia de íris?

Heterocromia iridal, ou heterocromia de íris, é uma condição ocular em que um indivíduo apresenta a íris de um olho com cor diferente da íris do outro olho (heterocromia total ou binocular); ou em que a íris de um mesmo olho apresenta partes com cores diferentes (heterocromia parcial ou setorial), podendo acometer um só olho (heterocromia setorial unilateral) ou os dois olhos (heterocromia setorial bilateral).  Geralmente tem causa genética e ocorre principalmente por diferença na quantidade de melanina, ou seja, a diferença de cor não se deve a pigmentos de cores diferentes, mas ao comprimento de onda de luz que é refletido em função da quantidade de melanina. Todavia, há casos adquiridos que podem surgir por perda de pigmentação iridal ou por deposição de determinadas substâncias na íris em decorrência de doenças não genéticas. Nos animais não mamíferos, a cor dos olhos depende de outros pigmentos além da melanina.

 

A heterocromia de causa genética é mais frequente em gatos ou em cães?

A heterocromia iridal já foi observada em várias espécies como gatos, cães, equinos, bovinos, bubalinos, suínos, ovinos, hamsters, ferrets e humanos. Considerando cães e gatos, é vista com maior frequência em gatos e associada à pelagem branca, mas pode, eventualmente, aparecer também com outras pelagens como a de gatos tricolores. Estes animais são popularmente chamados de gatos de olho ímpar.

 

Há raças de cães ou de gatos em que a frequência da heterocromia é maior?

Sim. Em gatos, a heterocromia total é comum nas raças Turco do Van, Angorá Turco, Persa e Khao Manee (uma raça tailandesa).  Em cães, a heterocromia total é relativamente comum nas raças Husky siberiano, Malamute do Alasca e Dálmata. Cães de muitas outras raças e que apresentam o fenótipo “merle” podem apresentar heterocromia total ou parcial, por exemplo, Dogue Alemão, Collie, Border Collie, Pastor Australiano, Boiadeiro Australiano e Pastor de Shetland.

 

 

É mais comum em gatos brancos?

Sim. Gatos que apresentam o fenótipo conhecido como “branco dominante” têm pelagem branca e os olhos podem ser laranja, verdes, azuis ou heterocrômicos. Nesta última situação, um deles é azul. Este é um fenótipo diferente do albinismo, que é recessivo. O branco dominante é determinado por um alelo do gene KIT que interfere na expressão de outros genes responsáveis pela cor da pelagem (um fenômeno genético conhecido como epistasia), sendo herdado conforme um padrão de herança autossômica dominante. Este alelo é tradicionalmente representado pela letra “W” em genética felina. O alelo normal do gene KIT é necessário para a multiplicação de células-tronco durante o desenvolvimento embrionário, incluindo as que originam os melanócitos (células produtoras de melanina). Como consequência, a sua falta acarreta anormalidades em todas as estruturas que normalmente deveriam ser pigmentadas.

 

A heterocromia está associada à surdez em cães ou gatos?

Pode estar. A maioria dos gatos brancos tem audição normal, porém, o fenótipo branco dominante eleva o risco de surdez, especialmente se os olhos forem azuis. Nestes, a deficiência auditiva pode chegar a 40% da população, ou mais, enquanto naqueles de olhos de outra cor o valor geralmente é menor do que 10%.  Se ambos os olhos são azuis, a surdez tende a ser bilateral; se apenas um é azul, a surdez tende a ser unilateral, afetando a orelha (ouvido) correspondente. Cães dálmatas de olhos azuis ou heterocrômicos também correm risco de apresentar surdez, mas, a maioria deles é normal. Pesquisadores alemães encontraram uma associação significativa entre marcadores do gene MITF com surdez neurossensorial e também com olhos azuis na raça dálmata. Vale lembrar que, no ser humano, mutações neste gene causam a síndrome de Tietz e uma das formas da síndrome de Waardenburg, as quais incluem surdez e olhos azuis, ou surdez e heterocromia iridal, respectivamente.