ADRIANO BARCELOS RIO DE JANEIRO, RJ – Uma ocupação irregular próximo ao conjunto de favelas do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio, tem potencial para se tornar um barril de pólvora para o poder público. Desde 23 de março, um grupo de pessoas tomou a área de uma antiga fábrica de tecidos desativada na avenida Itaoca, uma das principais vias de acesso do Alemão. O galpão, que abrigava o empreendimento do empresário árabe Tuffy Habib, está inativo há pelo menos uma década, o que motivou a rápida tomada do espaço por pelo menos duas mil famílias. A ação de reintegração de posse também correu rápido: do ingresso da ação no TJRJ (Tribunal de Justiça do Rio) até uma liminar determinando a retirada das famílias, passaram-se apenas seis dias. A decisão saiu em 31 de março, mas até agora a retirada não foi efetivada. No texto da liminar pela reintegração de posse, o juiz André Fernandes Arruda claramente demonstrou preocupação com um possível confronto. No dia 11 de abril, em situação semelhante, pelo menos 12 pessoas ficaram feridas durante a desocupação pelo uso da força do que se convencionou chamar “favela da Telerj”, uma área da empresa de telefonia Oi no Engenho Novo, também na zona norte do Rio. Na ocasião, ônibus e carros foram incendiados, um supermercado, saqueado, e 25 pessoas foram detidas. Para evitar que as cenas se repitam, no despacho, o juiz notificou órgãos públicos municipais e estaduais e determinou que discutam participação coletiva na retirada. O resultado é que, quase cinco meses depois da decisão, a reintegração de posse não ocorreu -e sequer tem data marcada. Enquanto o poder público discute como proceder, os moradores se mobilizam. Levaram dois dias para erguer os barracos nas áreas interna e externa da antiga fábrica. Desde então, organizaram a Associação de Moradores da Nova Tuffy. “Com CNPJ e tudo”, comenta o pedreiro Carlos Henrique de Oliveira, de 42 anos, um dos dirigentes da associação. PRIVAÇÕES E RISCOS A associação está na linha de frente da negociação de uma solução para as famílias, de preferência antes da execução forçada da reintegração de posse. As famílias sofrem com as privações. Quando chove, mesmo dentro do galpão há goteiras e buracos no telhado. Lonas pretas improvisadas são usadas nessas situações. Poucas torneiras e algumas mangueiras conduzem água potável para as famílias. A ligação de energia, irregular, é um grande emaranhado de fios que oferece riscos às milhares de pessoas que tem a Nova Tuffy por endereço. Enquanto conversava com a reportagem, o próprio pedreiro Oliveira levou um choque. O número de idosos e crianças é muito grande. Há exatamente 1.992 famílias inscritas na lista oficial da Associação Nova Tuffy. “E pode contar aí, em média tem três a quatro crianças por família”, arrisca o presidente da entidade, Carlos Alberto da Conceição, um montador de móveis de 32 anos. Articulado, ele conta que, até agora, apenas um representante do poder público apareceu lá. Foi o diretor da Emop (Empresa de Obras Públicas), Ícaro Moreno Júnior. Ele teria orientado as famílias a criarem uma listagem -mas, desde então, nenhum gesto foi tomado por parte do poder público, segundo os líderes da ocupação. Conceição explica que a quase totalidade das famílias provém do próprio Complexo do Alemão e é vítima de um processo de “gentrificação”. Desde que as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) foram instaladas no Alemão, o preço do aluguel dos barracos disparou. “Pagávamos entre R$ 120 e R$ 150 por uma quitinete aqui. Agora, está acima de R$ 300. As pessoas que estão aqui tinham de fazer a escolha, ou comiam ou pagavam o aluguel”, disse o presidente da associação. Ele afirma que a ocupação é pacífica e que “não há nenhuma intenção de guerrear”. Diz apenas que o objetivo é “ser visto” e que, se quisessem promover desordem, bastaria fechar a própria avenida Itaoca ou uma das vias que dão acesso a importantes bairros da região, como Ramos e Bonsucesso. “É claro que as decisões aqui são coletivas e quando vier a notificação para a retirada vamos discutir o que fazer”, comenta, esclarecendo que alguma resistência pode ocorrer se a comunidade instalada achar conveniente -cenário não muito provável no momento. TEMPO DA BUROCRACIA Os caminhos da burocracia, porém, não devem trazer uma solução na velocidade desejada pelas famílias da Nova Tuffy. A Emop afirma que deu apenas o primeiro passo de um longo processo para que as famílias estejam habilitadas a receber casas -ou financiamentos dentro do programa Minha Casa, Minha Vida. A Emop desenvolve ações de reforma urbana em diversas regiões do Rio, inclusive no Alemão, mas é preciso, segundo a empresa, que se verifique a situação socioeconômica de cada família. É uma exigência do Ministério das Cidades e doa Caixa Federal, financiadores do Minha Casa, Minha Vida, segundo a Emop. Para tanto, as famílias têm de ingressar no Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, e quem faz esse procedimento são os Centros de Referência e Assistência Social (Cras) do município. Em suma, existe uma fila única para as famílias a serem atendidas pelos programas de habitação popular -e nada indica que os participantes de ocupações, com a da favela Telerj ou a da Nova Tuffy, tenham preferência sobre os demais.