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A menos de três meses para o início da coleta, o Censo Demográfico 2022 marcará 150 anos do primeiro recenseamento feito no Brasil. Realizado ainda na época do Império, em 1872, a primeira pesquisa censitária teve seus formulários de papel distribuídos país afora em lombo de burro e, entre outros itens, perguntava se o entrevistado era “livre” ou “escravo”, se sabia ler e escrever, e questionava, também, sobre a profissão dos cidadãos.

Para celebrar, então, os 150 anos do primeiro Censo do Brasil, o Bem Paraná apelou para o catálogo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e, a partir do Censo Geral do Império de 1872, compilou algumas informações com o intuito de criar um retrato sobre o Paraná de um século e meio atrás, no período do 2º Reinado.

À época, o Brasil era uma monarquia governada por Dom Pedro II, a escravidão ainda existia e o meio mais eficiente de percorrer o país, de dimensões continentais, era no lombo de um burro ou cavalo.

O Paraná, por sua vez, era uma das 20 províncias brasileiras (às quais se somava ainda o Município Neutro da corte, o Rio de Janeiro), tendo sido a última a ser criada no Império, em 1853, a partir do desmembramento da Província de São Paulo (já na República, em 1889, as províncias seriam transformadas em estados da Federação).

Foi neste cenário que se realizou, em 1872, o primeiro Censo do país, cuja execução havia sido prevista em lei assinada em 1870, que criava um Diretório Geral de Estatística para conduzir a pesquisa. A data-base estabelecida para a coleta de dados foi 1º de agosto de 1872 e os recenseadores saíram a campo distribuindo os formulários ou preenchendo-os, no caso de o entrevistado ser analfabeto (quase 75% da população paranaense, como se verá a seguir).

O questionário aplicado era bem simples, mas traduzia a realidade daquele momento: o recenseador perguntava o nome do chefe da família, idade, sexo, estado civil, escolaridade, se a pessoa era livre ou escrava, sua religião, profissão e se tinha deficiência física aparente. Todo o material coletado foi remetido ao Rio de Janeiro para a apuração, que durou quatro anos.

Havia 127 mil moradores e uma imensidão de analfabetos

Em 1872, conforme o Censo, a população paranaense somava um total de 126.722 habitantes (entre pessoas declaradas livres e escravas), com a província do Paraná sendo a quarta menos populosa de todo o império, a frente apenas do Espírito Santo (82.137), do Mato Grosso (60.417) e do Amazonas (57.610 habitantes). A população brasileira, por sua vez, somava 9.930.478 habitantes, tendo Minas Gerais e Bahia como as províncias mais populosas, com 2.039.735 e 1.379.526 habitantes, respectivamente.

Para se ter noção de como esse cenário já mudou, no ano passado, segundo as estimativas da população divulgadas pelo IBGE, o Brasil já somava mais de 213 milhões de habitantes, com quase 11,6 milhões de pessoas só no Paraná (quinto estado com mais habitantes no país). A unidade da federação menos populosa era Roraima (653 mil habitantes) e a mais populosa, São Paulo (46,6 milhões).

Voltando 150 anos no tempo, porém, há um outro dado que salta aos olhos: o do analfabetismo. É que, no Paraná, o número de analfabetos chegava a 94.898. Ou seja, 74,9% da população (o equivalente a três em cada quatro paranaenses) não sabia ler nem escrever. O índice era maior que a média nacional: no país, 6.856.594 pessoas não sabiam escrever (o equivalente a 69% da população).

Mais de 10 mil eram escravos

Dentre os 126.722 habitantes do Paraná em 1872, 10.560 foram declarados escravos. Ou seja, 8,3% da população paranaense era formada por grupos escravizados, sendo 5.506 escravos homens e 5.054 escravos mulheres. Com relação à nacionalidade, e a maioria dos escravos eram de brasileiros (9.827 ou 93% do total), havendo ainda 738 escravos estrangeiros (7% da população escrava).

Interessante notar, ainda, que toda a população escrava foi declarada católica, sem exceção, numa evidência da supressão cultural sofrida por esses grupos. Além disso, é gritante a diferença na taxa de analfabetismo entre a população declarada escrava e a população declarada livre: entre os 116.162 paranaenses livres, 84.346 (72,6%) eram analfabetos; entre os 10.560 paranaenses escravizados, 10.552 (99,9% do total) não sabiam ler e escrever.

Lavradores e serviços domésticos lideravam ranking de profissões

Outro quadro interessante que o Censo de 1872 trouxe sobre o Paraná diz respeito às profissões. E aí o destaque principal, numericamente, era a população sem profissão (55.705 pessoas, o equivalente a 44% da população paranaense da época).

Em seguida, apareciam os lavradores (agricultores), com 41.545 trabalhadores (32,8% da população), seguidos ainda por serviços domésticos (15.165 ou 12%) e criados e jornaleiros (6.178 ou 4,9%).

Das profissões liberais, os artistas eram o principal destaque, com 365 profissionais da arte na Província do Paraná. A eles se somavam ainda, entre outros, 242 empregados públicos, 112 professores e homens de letras, 28 médicos, 13 juízes e onze advogados.

Curitiba já era a Capital, mas não tinha a maior população no Estado

Desde a sua fundação, o Paraná tem Curitiba como a sua capital. Nem sempre, contudo, a população curitibana foi a mais numerosa do estado, como tratou de mostrar o Censo de 1872.

Naquela época, a capital da província do Paraná somava 12.651 habitantes, havendo 11.730 pessoas declaradas livres e 921 declaradas escravas.

Entre os 16 municípios paranaenses de então, o mais populoso era o de Castro, com 20.803 habitantes (18.777 pessoas livres e 2.026 escravizadas). Curitiba vinha em segundo lugar, seguido de perto por Paranaguá, com 12.140 habitantes (11.299 pessoas declaradas livres e 841 escravizadas).

Já os municípios menos populosos eram Porto de Cima (cuja área mais tarde seria anexada ao município de Morretes), com 1.863 habitantes (1.620 livres e 243 escravos); e Guaratuva, com 2.136 (1.938 pessoas livres e 198 escravos).

Quadro geral da população paranaense em 1872

Habitantes no Paraná em 1872: 126.722
Quantidade de pessoas declaradas escravas: 10.560
Quantidade de pessoas declaradas livres: 116.162
Número de analfabetos: 94.898
Analfabetos entre a população escrava: 10.552
Analfabetos entre a população livre: 84.346

População em relação às raças
Brancos: 67.233
Pardos: 34.207
Pretos: 12.698
Caboclos: 8.962

Listagem de deficiências físicas
Total de deficientes: 1.042
Cegos: 116
Surdo-mudos:181
Aleijados: 538
Dementes: 114
Alienados: 93

População considerada em relação às profissões
Religiosos: 30
Juízes: 13
Advogados: 11
Notários e escrivães: 15
Procuradores: 4
Oficiaes de Justiça: 12
Médicos: 28
Pharmaceuticos: 8
Parteiros: 12
Professores e homens de letras: 112
Empregados públicos: 242
Artistas: 365
Militares: 249
Marítimos: 529
Pescadores: 31
Capitalistas e proprietários: 44
Manufactureiros e fabricantes: 60
Commerciantes, guarda-livros e caixeiros: 2.041
Costureiras: 2.038
Operários em metais: 247
Operários em madeiras: 548
Operários de edificações: 286
Operários em couros e pellos: 55
Operários de vestuários: 155
Operários de chapéos: 2
Operários de calçados: 315
Lavradores: 41.545
Criadores: 80
Criados e Jornaleiros: 6.178
Serviço doméstico: 15.165
Sem profissão: 55.705

População dos municípios paranaenses em 1872

Curitiba
População livre: 11.730
População escrava: 921
Total: 12.651
São José dos Pinhaes
População livre: 10.179
População escrava: 644
Total: 10.823

Votuverava (atualmente Rio Branco)
População livre: 7.105
População escrava: 252
Total: 7.357

Arraial Queimado (atual Bocaiúva do Sul)
População livre: 4.541
População escrava: 115
Total: 4.656

Campo Largo
População livre: 6.338
População escrava: 518
Total: 6.856

Príncipe (atual Lapa)
População livre: 7.632
População escrava: 1.079
Total: 8.711

Rio Negro
População livre: 4.729
População escrava: 107
Total: 4.836

Palmeira
População livre: 5.663
População escrava: 629
Total: 6.292

Paranaguá
População livre: 11.299
População escrava: 841
Total: 12.140

Guaratuba
População livre: 1.938
População escrava: 198
Total: 2.136

Antonina
População livre: 4.795
População escrava: 837
Total: 5.632

Morretes
População livre: 4.423
População escrava: 466
Total: 4.889

Porto de Cima (atualmente anexado ao município de Morretes)
População livre: 1.620
População escrava: 243
Total: 1.863

Castro
População livre: 18.777
População escrava: 2.026
Total: 20.803

Ponta Grossa
População livre: 7.768
População escrava: 835
Total: 8.603

Guarapuava
População livre: 7.613
População escrava: 849
Total: 8.462

Fonte: Censo Geral do Império de 1872