Quem diria? Um mineiro com aversão à goiabada. Na escola, Silas ganhou o apelido de “ET de Varginha”. Adulto, liderou uma revolta contra a goiabinha servida em um certa companhia aérea. Eis a crônica de Adriana Gomes. Aposto uma goiabinha como você não vai perder. Está na seção “Artigos”. Clique abaixo ou logo ali ao lado.

 

A revolta da goiabinha

Adriana Gomes*

Desde pequeno, Silas percebeu que era diferente das crianças de sua idade. Mesmo sendo mineiro puro – com avós e pais nascidos em Poços de Caldas –, ele tinha aversão à goiabada. Sua mãe até tentou colocá-lo no bom caminho, advertindo que seu comportamento era inaceitável para um mineiro de boa família, mas ele não conseguiu mudar. Seu pai ficou tão decepcionado que até abandonou a mulher e os filhos.

Na escola, o inevitável aconteceu: um coleguinha descobriu o seu segredo e ele passou a ser alvo constante de troça. “Olha o ET de Varginha”, zombavam as crianças – que, quando querem, conseguem ser cruéis. Ele não conseguia ser aceito nem mesmo nos outros grupos de excluídos: os quatro olhos, as baleias e os da turma do arreio.

Cresceu solitário, mas, já rapagão, mudou para uma cidade onde ninguém sabia nada sobre o seu passado e tudo começou a melhorar. Entrou na faculdade e enfim fez amigos. Conheceu uma jovem – o amor de sua vida, conforme me confidenciou. Os dois se apaixonaram, ficaram noivos e já estavam prontos para casar. Foi quando Silas foi a um almoço na casa dos avós da noiva – de tradicional família mineira. A sobremesa: goiabada. O amor era grande, mas Silas não conseguiu superar a barreira e acabou confessando que não gostava do doce. A noiva tentou compreendê-lo, pois também estava apaixonada. Mas tamanha foi a pressão dos pais e dos avós – sem falar na amigas, primas e tias – que ela acabou rompendo o compromisso.

Silas ficou desesperado e voltou para a sua cidade natal. Lá, sofreu novas rejeições. Ele queria trabalhar como engenheiro, curso no qual tinha se formado, mas ninguém aceitava que um inimigo da goiabada projetasse sua casa ou empresa. Sem saída, Silas começou a trabalhar como representante comercial na empresa de um parente. Com o tempo, ele acabou se conformando e até gostando da profissão imposta. Também conheceu uma jovem com quem casou. Não era o amor de sua vida, mas ela o aceitou com toda a sua esquisitice.

Novamente a vida de Silas começou a dar certo. Foi quando ele começou a viajar para outras cidades e estados para representar a empresa. Por um tempo, tudo ia bem: os vôos saíam no horário certo e as empresas aéreas ofereciam bons serviços. Tudo mudou, porém. Silas passou a enfrentar o caos dos aeroportos brasileiros, onde perguntar se o vôo está no horário é entendido como piada. Para piorar, sua empresa passou a comprar passagens apenas para aquela empresa baratinha. Silas até não exigia luxo, mas chegou ao seu limite quando viajava para São Paulo: a aeromoça lhe serviu duas goiabinhas para comer com biscoito.

Tudo voltou à sua mente: o abandono do pai, as chacotas dos colegas de infância, a perda do amor de sua vida, o fim do sonho de exercer a Engenharia. “Goiabinha? Goiabinha?”, gritou Silas, para a surpresa da aeromoça. Ela nem teve tempo de esboçar reação. Quando percebeu, Silas já havia agarrado o carrinho com as goiabinhas. Ele ameaçava jogar uma a uma pela privada do banheiro. Os passageiros e a tripulação, todos bons mineiros, ficaram escandalizados e disseram que atenderiam a qualquer pedido para salvar as goiabinhas. O que ele queria, no entanto, era a garantia de que a companhia serviria lanches alternativos aos passageiros. O piloto transmitiu as exigências ao presidente da empresa, que, depois de muito refletir e discutir, assinou um documento, que foi entregue à imprensa, comprometendo-se a oferecer também barras de cereais.

Feito o acordo, Silas concordou que o avião pousasse. As goiabinhas foram retiradas do avião sã e salvas. O que Silas não imaginava era a repercussão do seu ato. Em todos os canais de TV de Minas Gerais não se falava de outro assunto. Cerca de cem policiais cercaram o avião quando ele chegou. Silas foi levado direto para a penitenciária. Grupos defensores das goiabadas começaram a fazer campanhas pela prisão perpétua e até pena de morte para crimes como o de Silas. Organizações internacionais – de países onde a goiabada é uma ilustre desconhecida – apelaram em favor de Silas.

Ele perdeu a esposa e o emprego, mas conseguiu sair da cadeia. Sozinho em casa,  foi tomado novamente pelo desespero e até chegou a pensar em comer uma goiabinha. Foi quando ele começou a receber cartas de usuários do transporte aéreo de outras regiões do país. Todas eram de apoio. Eles o tratavam como herói por ter conseguido livrá-los da ditadura das goiabinhas nos aviões, e da azia certa.

Animado, Silas mudou de cidade. Hoje mora em outro estado – prefere não informar qual para não correr o risco de encontrar algum mineiro radical –, onde se casou novamente, teve três filhos e trabalha como engenheiro. Atualmente, está tendo problemas com o filho do meio: ele não gosta de churrasco, algo inaceitável nos pampas de lá.

*Adriana Gomes é professora e jornalista.

Os mineiros que me perdoem, mas conheci um de BH que estava tão indignado com o fato de uma companhia aérea servir goiabinha no lanche, que sua reação era hilariante. Só para constar, lá em casa eu sou a única que aprecia uma boa goiabada, ainda mais se for Cascão.