DA FOLHA DE S. PAULO

CLÓVIS ROSSI

Cartão-postal sem Corcovado

Acompanho pelo “Jornal Nacional” a história da prisão e depois morte dos três rapazes detidos pelo Exército por suposto desacato e os desdobramentos que delas decorreram.
Tento encaixar tudo em algum outro país. Vício, mania, sei lá. É o Iraque? Pode ser, mas tem mais jeito de Bangladesh, Sri Lanka, desses recantos tropicais perdidos no mundo e que, periodicamente, expõem sua miséria aos olhos do planeta em casos de catástrofe para logo serem devolvidos ao anonimato absoluto de sempre e à miséria imensa de sempre.
De repente, cai a ficha. Não é nada disso. É apenas Brasil, aquele Brasil primitivo, selvagem, anárquico, violento, sem lei e sem regras, aquele Brasil pobre que não aparece nos postais de Copacabana, a princesinha do mar, ou do Corcovado e do Redentor que se vêem da janela, que lindos.
Depois, leio os jornais e vem a habitual catarata de indignação pelo comportamento dos militares. Justa, justíssima indignação. Transforme a sua própria indignação em alguma palavra bem dura, a mais dura que você conhece, e eu assino em baixo.
Mas falta nesse Brasil primitivo, o que, de resto, reforça o seu caráter selvagem, a indignação ante a evidência de que a criminalidade controla os morros (e mais que os morros). Selvageria é militares matarem ou entregarem à morte três jovens. Estou de acordo.
Mas não é igualmente selvagem todo mundo saber que assassinos controlam uma parte do território brasileiro – e ninguém faz nada nem se incomoda?
O Exército é bom para impor alguma ordem enquanto se fazem obras em um dos morros. Mas não é bom para impor a presença do Estado aonde ele não chega. Como a polícia também não é boa para isso, tem-se que o Brasil está perdendo a guerra para a criminalidade. E aceitou a derrota.