Quinta-feira, 11 horas, minutos antes do desfile da grife Raia de Goeye, a booker Silvia Mesquita recebe um telefonema do departamento jurídico da São Paulo Fashion Week. Pediam a comprovação da idade da modelo Monique Olsen, de 16 anos. Sem a documentação, ela não poderia desfilar. Segundo as novas regras da organização do evento, participam apenas modelos acima de 16 anos e com atestado de saúde.

Monique está na profissão desde os 13. Catarinense, 1,80 metro, 52 quilos, participa das principais temporadas de moda do mundo. Divide sua agenda entre Paris, Milão, Nova York e Brasil. Na quinta, pela primeira vez em três anos de profissão, correu o risco de não desfilar caso o advogado não encontrasse a tempo o documento que a booker jurava estar lá. Por sorte, o encontrou, e Monique vestiu um microvestido azul marinho.

As novas normas foram estabelecidas após a morte da modelo Ana Carolina Reston Macan, de 21 anos, vítima de complicações provocadas por anorexia nervosa, em novembro. Fazem parte de uma campanha com o objetivo de chamar a atenção para a doença que atinge 1% da população mundial, segundo a Associação Americana de Psiquiatria.

No mundo da moda, onde ser magérrima é pré-requisito, a disfunção alimentar atinge de 2% a 4% das modelos. Segundo organizadores da São Paulo Fashion Week, modelos mais experientes são capazes de lidar melhor com o estresse da profissão. “As novas regras não resolvem o problema, mas teremos desdobramentos mais consistentes no próximo evento”, diz Dell Kranz, coordenadora da campanha de saúde na moda.

Apesar de não ser a solução, o pacote de restrições já surte efeitos nos bastidores. “Este ano ficamos com um casting mais enxuto porque perdemos as new faces”, diz Caio Gobbi, que apresenta sua nova coleção hoje, às 16h30. “As garotas mais velhas são emocionalmente mais resolvidas e dão menos trabalho. Este ano, não soube de nenhuma garota desmaiando antes do desfile.” Como a correria é grande, não é difícil uma new face esquecer de comer.

Um dia de Fashion Week na agenda de uma modelo concorrida significa poucas horas de sono e muita pressão. Na quinta-feira, Monique desfilou em cinco dos sete desfiles. Acordou às 6 horas para uma prova de roupas. Desfilou às 11 horas nos Jardins. Às 13, já estava no backstage de Patrícia Viera, estilista para qual desfilou uma hora depois no Museu de Arte Moderna, no Parque do Ibirapuera. Acabado o desfile, o booker a levou a outra prova de roupa, em Pinheiros. De volta ao Ibirapuera, Monique entrou na passarela para mais três grifes. O último desfile, às 21 horas, foi de Lino Villaventura. Na agenda da modelo, ainda estavam previstas para aquela noite duas provas de roupas.

“A moda hoje é muito profissional e a exigência é alta”, diz o stylist Paulo Martinez, que começou quando os clientes ainda ligavam direto para a casa da modelo, não para a agência. “Se as modelos não tiverem uma boa cabeça, maturidade e apoio da família, não sobrevivem à carreira.”

Monique lambiscou entre um e outro desfile. “Levo sempre barrinhas de goiabinha na bolsa para não ficar na mão”, diz ela. “As pessoas pensam que vida de modelo é só glamour”, diz a top Renata Kuerten, de 18 anos. “Ninguém imagina o quanto a gente rala.”

Nos backstages, há sempre comida para a equipe que está trabalhando. Penne ao molho de tomate, musses, bolo de chocolate refrigerante e água foram oferecidos à vontade para quem trabalhou com Patrícia Viera. Quem participou do desfile da Zoomp ganhou sanduíche de pão integral e suco de fruta que vinham em sacolinhas, devidamente controladas por uma lista. Não era permitido repetir.

Ficaram de fora da temporada, segundo a Fashion Week, pelo menos 20 new faces. “Este foi o lado ruim da restrição. Por causa dela, em todos os desfiles tivemos os mesmos rostos”, diz Gobbi. Monique, por exemplo, estava no casting de 24 dos 38 desfiles. “A platéia fica enjoada de ver sempre a mesma cara. Roupa nova tem de vir acompanhada do frescor da new face.”