As pessoas com deficiência visual – pessoas cegas ou com baixa visão – enfrentam inúmeras dificuldades no cotidiano. Contudo, as pessoas com baixa visão, em particular, enfrentam dificuldades específicas por viverem em um estado ambivalente no qual não há nem ausência nem presença total de visão, o que pode gerar uma não-identificação com sua condição ou com a bengala, confusão, desconfiança, situações constrangedoras e discriminação, tanto por pessoas que enxergam quanto por pessoas cegas.

São inúmeras experiências vivenciadas por pessoas que buscam autonomia, independência e reconhecimento em uma sociedade que, por sua vez, ainda não as identifica como parte de um grupo de pessoas com deficiência visual. Isso com base, inclusive, na concepção errônea de que todos os usuários de bengala são cegos, sendo que a grande maioria das pessoas com baixa visão também precisa desse instrumento para a sua orientação e mobilidade.

Em 1996, justamente para enfrentar essas dificuldades específicas do universo da baixa visão, a professora uruguaia de educação especial Perla Mayo, que atua na Argentina, criou a bengala verde – cor que além de representar a esperança, também remete a “ver-de outra maneira”, a “ver-de novo”. Com isso, a intenção da diretora do Centro Mayo de Baja Visión, localizado em Buenos Aires, foi contribuir para a aceitação do uso da bengala pelas pessoas com baixa visão (que rejeitam muito a bengala branca por esta ser um símbolo da cegueira), para a identificação da pessoa com baixa visão pelas outras pessoas e, por fim, para a construção de uma noção de pertencimento a um grupo ainda imerso na invisibilidade social.

A novidade teve uma repercussão tão positiva que dois anos depois, em 1998, Mayo apresentou no Congresso Mundial de Baixa Visão, em Nova Iorque, nos Estados Unidos, uma pesquisa sobre o uso da bengala verde. Já no campo jurídico, no dia 27 de novembro de 2002, foi aprovada na Argentina a Lei nº 25.682 que estabeleceu a bengala verde como instrumento de orientação e mobilidade para as pessoas com baixa visão, garantindo, inclusive, cobertura obrigatória por parte do Estado e dos planos de saúde.

De acordo com Mayo, dados recentes apontam que mais de dez mil argentinos já utilizam a bengala verde no país que comemora, em 26 de setembro, o “Día del Bastón Verde”. Também, nos últimos anos outros países vem difundindo o uso da bengala verde – Nicarágua, Colômbia, Paraguai, México, Equador, Bolívia, Costa Rica, Venezuela e Uruguai – sendo que este último também possui legislação sobre o tema semelhante a da Argentina, a Lei nº 18.875, aprovada pelo governo uruguaio em 14 de dezembro de 2011.

No Brasil, em 2014 a bengala verde começou a ser difundida e em 2017 o Parecer Técnico 004, da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB), construído com a minha colaboração e com a colaboração dos amigos Rafael Braz e Fernanda Scholnik, foi publicado para esclarecer e indicar o seu uso. No entanto, os brasileiros ainda precisam aprofundar e qualificar o debate sobre o tema, com a ampla participação das pessoas com baixa visão, das instituições especializadas e de diversos setores da sociedade que atuam em defesa dos direitos humanos das pessoas com deficiência.

Afinal, o que parece ser, em princípio, apenas uma simples mudança de cor, na verdade, representa uma efetiva oportunidade, por um lado, para reforçar o impacto positivo da bengala verde no cotidiano de muitas pessoas com baixa visão e, por outro lado, para informar sobre as características dessa condição corporal e as barreiras sociais enfrentadas por seis milhões de pessoas que vivem entre o “ver” e o “não ver”.

Leia o Parecer Técnico 004/2017 da Organização de Cegos do Brasil – ONCB: http://www.oncb.org.br/documentos/Parecer-da-ONCB-Sobre-o-Uso-da-Bengala-Verde.pdf