Convivo muito com vários músicos locais na minha vida pessoal também, não só por conta do trabalho. E  por isso, não é raro ter o privilégio de  ouvir gravações ainda inacabadas. Começou com OAEOZ, banda  que nasceu e cresceu dentro da minha casa e no sótão de uma delas, inclusive, gravou um de seus discos – ou seja, ouvi tudo, desde a bateria e o baixo sozinhos até estar tudo ali. Na hora percebi a diferença que isso faz.  Sou muito chata com música, e passional também, me largo quando gosto e não tenho medo de assumir isso. Não existe nada mais forte do que acompanhar o nascimento de uma obra. Neste momento, e nas duas últimas semanas,  trabalho ao som de Criaturas e das novas composições de Giancarlo Rufatto/Hotel Avenida. Das Criaturas, conheço praticamente todas já – e não apenas eu, como mostrou o público que foi prestigiar a compositora Xanda Lemos, em sua passagem pela cidade, terça-feira. No caso das Criaturas, o disco me chegou às mãos pronto, com todos os clássicos ( “Serenata”, “Gato Por Lebre”) e outras mais, como a simpática “Tábata” ou  a  maravilhosa “Águas Passadas”.  Eu tava lá naquele lugar idílico em Morretes  no primeiro  show da banda,  que os levou a tocar no festival que co-produzo, o Rock de Inverno, em 2002,  do qual foi um dos destaques. Aposta certeira. É, portanto, uma relação antiga. Se não os ouço “fazendo a música”, as ouço prontas e ainda inéditas em disco.

Já com Rufatto, a história começou mais recentemente, por conta do projeto Lo-fi-dream, que desde a primeira audição me impressionou, sem que  tivesse ideia de que era um cara daqui – na verdade, de Coronel Vivida. Isso foi a coisa de uns dois anos. Desde então, o conheci pessoalmente e  entrevistei. Ficou evidente o talento. Gian não nega que é da geração internet, tem a urgência, nem sempre boa, desses tempos no quais a música já não tem o mesmo impacto que teve nas pessoas. Mas, a de Gian, sempre tem um forte impacto – e não só em mim. Mesmo agora, depois de já ter ouvido umas 500 vezes essa nova canção, “Popsong”.  Desde os primeiros acordes do riff,  que logo cede lugar aos vocais, mas não sem já ter te agarrado pelo colarinho. Ele compõe e grava compulsivamente, me parece. E tenho a sorte de ouvir essas versões. E é sempre surpreendente a verve poética e pop desse cara que grava tudo em casa e agora, também está com uma banda.

Cada vez que ouço uma dessas canções me ponho a pensar sobre como lamento que poucos tenham o interesse de se deixar levar por essa poesia; que tão poucos possam perceber a sutileza dessas combinações instrumentais que ele(s) cria(m).  Me emociono por estar por perto de pessoas tão especiais e receber, de alguma maneira, seus raios. E elas se encontram, inevitavelmente. “Eu Não sou um bom Lugar” é a música que banda Hotel Avenida está trabalhando, com participação do sax de Igor Ribeiro. É a banda que trouxe o contra baixista Rubens K de volta para o trabalho autoral – e que diferença faz ver o Rubens tocando com tesão, curtindo o projeto do qual faz parte.  Ele não  é “só” um contrabaixista. Me impressionou desde a primeira vez que o ouvi tocar, na July et Joe, mas  hoje em dia alcançou uma dimensão que extrapola o “tocar baixo”. Rubens é desses caras – e ele escreve muitíssimo bem tanto música quanto prosa, também – para quem a música é que dá força para vida. E por isso a combinação com Gian e demais comparsas  é tão perfeita. Porque são pessoas desta estirpe.

Tanto Criaturas, quanto Gian Rufatto/Hotel Avenida são bandas de uma sonoridade absolutamente radiofônica (o Dj do Caldeirão do Huck até pediu autorização para usar criações de Gian em seus sets). Os tempos mudaram, hoje a imensa maioria das bandas é esquecida bem rapidamente. Existem os nichos e as pessoas interessadas vão atrás e encontram. É assim que, aos poucos, o que é bom se fortelece, mesmo que seja num circuito restrito. E também é assim que a arte que faz a diferença se perpetua. De minha parte, tenho certeza, de que essas duas formações , e outras por perto, não serão esquecidas. Porque tratam do que é vital na existência: cutucando, provocando, incomodando, inclusive.