Franklin de Freitas – Pedro Lauro

Ele tentou colocar a cor vermelha na bandeira do Brasil em pleno regime militar e diz que foi o primeiro pichador de Curitiba. São só duas das inúmeras histórias que Pedro Lauro Domaradzki, de 81 anos, conta atrás do balcão do seu bar no bairro Cristo Rei enquanto serve uma cachaça com mel ou um cigarro solto. Há 15 anos com as portas abertas, o bar do PL (como é conhecido) se tornou um dos principais pontos de parada na madrugada curitibana também para aqueles de 18, 20, 25 anos.

Para quem aprecia o ramo, o bar é um achado: balcão de armazém, conhaque em copo de plástico, sinuca, pebolim, sofás pelos cantos, todo tipo de utensílios pelas paredes, máquinas de escrever, pedaços de bicicleta. Os clientes escolhem um DVD e se acomodam. “Você ainda vê um bar como esse?”, pergunta o PL, um ex-deputado federal que foi garimpeiro e já teve banca de revistas, padaria e pizzaria.

Descendente de poloneses, Pedro Lauro nasceu em 1941, em Mallet, no sul do Paraná, e viveu seus primeiros anos em um distrito afastado. Veio para Curitiba com 5 anos, com os pais e quatro irmãos. Ainda lembra da viagem. “Passavam nuvens de gafanhotos, todos tinham que fechar a janela do trem. Os gafanhotos caíam na linha e faziam uma meleca, o trem patinava. À noite, já em Ponta Grossa, eu vi uma lâmpada pela primeira vez”.

Na capital, concluiu o ensino primário e começou a trabalhar em uma banca de revistas. Sempre com uma ideia na cabeça: ser vereador. “Desde piá. Quando perguntavam o que a gente queria ser um respondia ‘advogado’, outro dizia ‘jogador de futebol. Eu queria ser vereador. Tem valeta fedorenta, quero canalizar. Tem rua sem asfalto, sem luz. O vereador é o primeiro que vê”. PL diz que nunca pensou em ser prefeito ou governador. “Eu não sei mandar, eu sei sugerir”

A vontade de ocupar uma cadeira na Câmara de Curitiba causou seu primeiro problema com a justiça. Candidato em 1968, não tinha dinheiro para fazer campanha. Passou em uma loja de tintas e comprou um spray. “Fui o primeiro pichador de Curitiba. Eu tinha uma banca de revistas na praça Carlos Gomes. Fechei à meia-noite e vim andando. Encontrei um muro branco, perto de onde fica a rodoferroviária”.

PL não pensou duas vezes e pichou: “Ideias novas. Mais escolas. Mais hospitais. Mais trabalho. Menos miséria. Pedro Lauro”.

Uma semana depois, recebeu a visita de dois agentes do Dops (Departamento de Ordem Política e Social, órgão do regime militar) na banca. Foi fichado e teve que se apresentar no quartel. “O tenente fez umas dez perguntas. No fim, disse que ia votar em mim”. Foi obrigado a repintar o muro.

Eleito e quase cassado

Filiado ao MDB, partido da “oposição consentida” ao regime militar, concorreu a deputado federal em 1974. Foi eleito com 6.119 votos — Alvaro Dias recebeu 175.434 e ajudou a eleger outros 14 deputados do MDB. Em Brasília, um de seus primeiros projetos aprovados obrigou os fabricantes de chocolates a informarem a data de validade na embalagem. “Eu vendia bombom na banca e voltavam reclamando que estava estragado”, lembra Pedro Lauro.

Em 1976, o então presidente Ernesto Geisel anunciou que viajaria à França. Pedro Lauro fez um pronunciamento pedindo para Geisel negociar a anexação da Guiana Francesa. “Eu estava no cafezinho e os jornalistas me cercaram. Falei que depois a gente poderia negociar a anexação do Paraguai e do Uruguai”.

A frase foi para os jornais. No dia seguinte, ao chegar à Câmara, foi cercado por deputados da Arena, partido que dava sustentação ao regime. “Eles se reuniram com o alto escalão do Exército e decidiram me cassar. Fui ao gabinete do presidente da Câmara, Célio Borja. Ele me deu um bilhete com o que eu devia fazer. Fiz um discurso pedindo desculpas”.

Lembranças do tempo como deputado

Pedro Lauro manteve o mandato, mas não se reelegeu em 1978 e ficou na primeira suplência. Casado e pai de quatro filhos, em 1979 abriu uma pizzaria no mesmo imóvel onde mantém o bar. Em 1982, informado que o deputado Heitor Alencar Furtado pediria licença, foi de ônibus até Brasília. “Liguei pra casa e minha mulher não quis falar comigo. Ela tinha ido em um terreiro e disseram que eu tinha uma amante. Pediu o divórcio”.

Voltou de Brasília sem mandato e sem mulher. “Eu dormia nas cadeiras da pizzaria”, lembra. Certa noite, Alencar Furtado, pai do deputado Heitor, apareceu na pizzaria. Disse que seu filho deixaria o cargo por três meses. Em troca, Pedro Lauro sairia para deputado estadual e apoiaria seu filho para federal. PL aceitou. Assumiu por apenas três meses.

Vinte dias depois de devolver o mandato, recebeu a notícia de que Heitor Alencar Furtado havia sido assassinado. Em outubro de 1982, o deputado fazia campanha na região de Mandaguari e foi baleado por um policial. “A mãe dele começou a achar que eu mandei matar”, lembra PL, que assumiu novamente o mandato.

A terceira passagem pela Câmara foi curta, mas suficiente para causar mais dores de cabeça aos militares. Logo de cara, apresentou um projeto para incluir o vermelho na bandeira brasileira. “É o sangue do povo. Mandei fazer no tamanho oficial”, conta o PL. O vermelho seria na faixa com a inscrição “Ordem e Progesso”.

Desfilou com a bandeira na Rua XV, perguntando o que as pessoas achavam. “Eu e um amigo fomos levados de camburão para a Polícia Federal. O superintendente nos liberou. Dois dias depois um advogado fez um requerimento, fui até a Justiça Federal e liberaram a bandeira”. Que está no bar do PL para quem quiser ver.

Seu último ato como deputado foi estragar o coquetel de Natal do general João Baptista Figueiredo, o último presidente militar. Ao entrar e ver que todos tomavam uísque escocês, pediu guaraná. A certa altura, se aproximou de Figueiredo e se apresentou. “Presidente, por que o senhor não oficializa os cassinos no Brasil?”, perguntou. O general respondeu que não. De volta à mesa dos parlamentares paranaenses, foi advertido pelo então deputado Hermes Macedo: “Não é assim que se fala com o presidente. Tem que marcar audiência”.

PL nem ligou. Na saída, quando todos formaram fila para cumprimentar Figueiredo, voltou a pedir a legalização dos cassinos. “Ele deu um grito”, lembra Pedro Lauro. “Perguntou qual o meu interesse nos cassinos. Disse que nasceu contra, que era contra e que morreria contra. E saiu. Eu estraguei o dia do Figueiredo”. Cercado por jornalistas, Pedro Lauro disse que se recusava a tomar uísque escocês na sede do governo brasileiro. “Nasci contra, sou contra e morrerei contra”.

Briga de cachorro grande

A legalização dos cassinos sempre foi uma das bandeiras de Pedro Lauro. Espalhava plaquinhas pela cidade com a inscrição “Cassinos PL”, ou escrevia com giz no meio-fio, mas nunca mais se elegeu. “Meu tio era músico no Cassino do Ahú. Em 1946, o presidente Eurico Gaspar Dutra proibiu os cassinos porque o bispo pediu pra mulher dele. Aquilo me doeu”, lembra. “Estive no cassino em Assunção. Deu duas vezes vermelho, joguei no preto. Perdi. Apostei o dobro no preto e ganhei. Não é um jogo de azar, é observação”.

Depois de tentar ser deputado estadual e vereador, desistiu das campanhas. “Você perde o fôlego. É uma briga de cachorro grande. Você tenta entrar em um bairro, mas já tem outro. Eu me elegi deputado porque fui pra televisão e coloquei o Jaime Lerner em um penico. Eu pedia abrigo em ponto de ônibus, zoológico, restaurante popular. Mandei fazer 50 mil panfletos, acho que algum assessor dele viu as ideias. Depois não falei mal dele”.

Não gostava dos militares no poder e tentou colocar vermelho na bandeira, mas não se considera uma pessoa de esquerda. Nem de direita. “Eu sabia que aquilo (a ditadura) era passageiro. Eu não estava interessado no governo. O meu negócio era legislar, não era derrubar o governo”. Questionado sobre a política atual, Pedro Lauro responde com uma pergunta: “Quem mandou matar a Marielle?”

Dança, rubis e observação

É difícil fazer Pedro Lauro parar de contar histórias de sua vida política. Até quando fala de uma de suas paixões, a dança, as histórias voltam. “Eu era deputado e queria dançar fandango. Fui até a Ilha de Valadares e não tinha ponte”, recorda. “Em Brasília, vi um cidadão de branco, cheio de medalhas e âncoras na farda. Achei que era o ministro da Marinha. E era. Ele mandou falar com o prefeito de Paranaguá. Fiz um requerimento e a ponte está lá”. Da mesma forma conseguiu instalar o planetário no Colégio Estadual do Paraná, depois de uma conversa com o então ministro da Educação, Ney Braga.

Outra paixão de Pedro Lauro é pelas pedras preciosas. “Esmeralda, safira, rubi, ametista, topázio, água marinha”, enumera. “Fundei um clube de garimpeiros no bar”. Tem livros sobre pedras preciosas no balcão e fala sobre as diferenças entre os rubis brasileiros e indianos. “Fui 32 vezes pra Santa Catarina, descobri uma mina de rubis lá. Quando eu tinha um café na Praça Osório apareciam garimpeiros de Goiás, de Serra Pelada”.

Qual conselho Pedro Lauro daria para os mais jovens? Observar. “Eu olho para as estrelas quase todas as noites. Você tem que usar os olhos, os olhos são para você mexer com eles. E de vez em quando você tem que chorar, renovar, lubrificar”, recomenda.

“Isso fez com que eu olhasse mais longe. Jogue um alfinete no chão pra ver se eu não acho”.
Pedro Lauro fez 81 anos no último dia 25 de junho e diz que ainda tem muito por fazer. “Esses dias eu senti um abalo, pensando no que eu já fiz e no que eu deixei de fazer. Eu tenho muita coisa para fazer”. E as ideias voltam. “Se eu vejo um acidente, eu procuro uma solução. Um casal morreu atingido por um raio na praia. Por que não fazem pára-raios nas praias?” Assim segue a noite atrás do balcão. Nem pergunte se ele pretende ficar no bar até de madrugada. “E eu vou ficar em casa?”, responde o PL antes de iniciar outra história.

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