Pedro Scucuglia

“Onde estão as ideias, pelo amor de Deus!”, provoca Pedro Scucuglia, fundador da CGD e um dos nomes

mais memoráveis da propaganda. 


Ele não se considera um pioneiro valoroso da propaganda paranaense, embora seja. Com uma verve que me fisgou já nas primeiras linhas de mensagens trocadas pelo whatsapp, o jornalista – como um bom comunicador – é direto e rápido na interlocução. Possui carisma, uma certa dose de humor e ironia com inteligência que permitiram que nossas conversas fossem ainda mais saborosas. Mesmo a distância e sem nos conhecer presencialmente, Pedro, que fez escola no mercado de Londrina e formou gerações de publicitários, vai direto ao ponto com sagacidade: “Um valoroso pioneiro pode ser o cara que, nos anos 40, aparafusou um alto falante (ou auto falante? Nunca soube qual o certo) no topo de um tronco de eucalipto, aí de uns dez metros de altura, plantou o dito cujo num terreno baldio da vila mais antiga da cidade, conectou o fio a um amplificador, ligou tudo isso a um microfone e a um toca-discos – de 45 rotações – e mandou ver, num tom de voz que faria o Alberto Roberto ficar embaraçado”.

E continua sua narrativa com maestria (e isso sabe fazer muito bem, pois é um dos nomes mais respeitados do mercado publicitário paranaense): “Este é o serviço de som da Vila Nossa Senhora das Dores. Seis horas da tarde, hora do anoitecer!  Ponteiros para o céu, coração para Deus! –  E subia o som do disco de acetato, tão arranhado que mais parecia uma teia de aranha embriagada e era a Ave Maria de Gounot. Poderia ter sido o dono da grafiqueta, rodando em impressoras toscas pequenos folhetinhos de quinze por cinco centímetros, anunciando a Pensão da Dona Fátima Aparecida, próxima à rodoviária e aceitava famílias mensalistas, fornecendo refeições, roupa lavada e passada, ressaltando enfaticamente: o ambiente era rigorosamente familiar. Nem vem!”. E arremata: “Ok. Talvez não sejam esses os valorosos pioneiros pensados por você. E aí, meu parça, eu saio da minha zona de conforto. Primeiro por não saber como essa história aconteceu. E nem sei se alguém sabe. Simplesmente não há nenhum registro histórico e, cá pra nós, nem poderia haver, pois era verdadeiramente insignificante falar dos arautos de então”.

Pedrinho, como também é conhecido por outros “valorosos” do mercado, relembra que a história da propaganda tem raiz: “Desde quando, neste Norte do Paraná maravilhoso, tão cheio de histórias fantásticas, a começar com os ingleses, nos anos 30, tentando implantar aqui sua experiência algodoeira indiana;  passando pela chegada da italianada plantando café em vez de algodão  e com isso   detonando os planos de Sua Majestade; o advento  dos  imigrantes japoneses e sua inesgotável capacidade de trabalho; a fixação na terra dos imensos cafezais geradores de fortunas e arrasados pelas geadas da noite para o dia, alguém ia se preocupar em registrar a história da propaganda nestas terras? Nem pensar.  O que se tem é, em meu modo de ver, uma ideia aproximada de como isso deve ter ocorrido. Mas quem garante? Pra você ter uma ideia – e essa época eu testemunhei ainda antes dos quinze anos – em meados dos anos 60 Londrina era o terceiro aeroporto mais movimento do Brasil! Perdia para São Paulo e Rio de Janeiro e atropelava todas as demais capitais”.

Pedro Scucuglia recorda que era a maior base de taxis aéreos da América do Sul. “Estima-se um número superior a 80 aeronaves de uma única marca e modelo: o Beechcraft Bonanza. Eu sei porque era jornaleiro e todas as manhãs, antes das sete horas, eu estava no aeroporto para receber os jornais que vinham de São Paulo, trazidos DC-3 da então Sadia (essa mesma, das salsichas e que tais), depois transmutada para Transbrasil. Por conta dos meus anos de janela neste cazzo de profissão, tinha certeza de um marco: a propaganda moderna aqui em Londrina, gerada e administrada por agências de propaganda, seguindo a cartilha da profissão, tinha começado com uma certa Planorte, criada pelo velho, bom e saudoso José Richa”.

Ele sinaliza que essa história promete reviravoltas: “A Planorte funcionava como assessora do pessoal interessado em ingressar na Bolsa de Valores de São Paulo (isso em 1970/71), obter linhas financiamentos agrícolas e – pasme! – propaganda. Ações, agricultura, propaganda…. meio esquisito, não? Mas o meu amigo Valduir Pagani, dono da Engenho Propaganda, a primeira da era moderna garante que não.  E ele deve saber. Afinal, a Engenho vai fazer 50 anos. Ele me lembrou que antes da Planorte havia uma agência em Londrina chamada Traço, criada por Roberto Fonseca e Celso Agostini. Com eles trabalhava o Roberto Palhano. Esse eu conheci muito, era meu amigo de uísque.  Muito tempo depois ele veio trabalhar comigo na CGD. O Fonseca e o Agostini não conheci e gostaria de ter trocado umas palavrinhas com eles. Duplinha corajosa, essa”.

E o relato continua, com direito a “plot” no roteiro criado com a colaboração da  memória e ajuda do seu amigo de fé e irmão camarada: “Ainda nessa época, segundo o Vardo Pagani (nós o chamamos assim), duas outras … agências? … estavam trabalhando na cidade. Uma delas, tocada pelo jornalista Wilson Silva e pelo dono de funerária Guilherme Muller. Na verdade, essa era mais uma corretora de anúncios. Como o Wilson Silva era muito criativo, cheio de ideias, com certeza criava os anúncios vendidos por eles. Dono de funerária fazendo propaganda….anhã. A outra: a house agency das Lojas Fuganti, um enorme conglomerado comercial da cidade. Atuavam em dezenas de áreas, esses Fuganti. De gás de cozinha a ferramentas; de louça importada a confecções; de secos e molhados a sapatos e bolsas; de prataria a salões de chá. E essa house era tocada pelo criativo Antonio Marcos e pelo layoutman Adair Bognato, o famosíssimo Pikooka.  O Pikooka e eu trabalhamos juntos na TV Tibagi em 1968/80. Gente boa. Garante o Vardo: essa house era uma agência de verdade. Atendimento, criação, mídia, administração. Mas sempre house agency, que nem tinha esse nome pomposo, americanizado. Era só “a agência de propaganda da Fuganti”.

Scucuglia explica que (ainda segundo o Vardo), a Planorte fechou em 1973 depois que o Richa elegeu-se prefeito da cidade e ele, Valduir, aproveitando-se de toda a experiência adquirida resolveu montar a Engenho. “E dois anos depois, junto com outros dois jornalistas, o Délio César e o Leonardo Henrique dos Santos, criei a CGD Propaganda.  E por quase uma década Londrina teve apenas duas agências. E eram duas baitas agências, funcionando a todo vapor.  Não me lembro quantos funcionários tinha a Engenho. Mas eu tinha vinte e duas pessoas na minha folha de pagamento. E quando em 1988 eu criei uma produtora de comerciais, a famosa XPTO de breve e efêmera vida, éramos quarenta pessoas”.

E já no final dos anos 80, começo dos 90, de acordo com nossa “testemunha ocular da história” londrinense, começaram a surgir as agências de terceira geração – oriundas quase sempre dos quadros da Engenho e CGD. Esses filhotes, por sua vez, geraram outras agências… E com o resgate da história já bem alinhavada, pergunto ao Pedrinho (ele me chamou de “parça” então já o considero um amigo) sobre sua relação com o marketing político pois soma no currículo 36 campanhas.  “A primeira em 1971/72 para o Álvaro Dias que concorria ao cargo de prefeito de Londrina (aquela mencionada anteriormente, quando o Richa ganhou) e a última no ano passado. Dessas eu ganhei 24”.

Ao lhe indagar como avalia o mercado publicitário, Pedro é tão sincero quanto água cristalina ou algo parecido: “Cícero, essa questão de analisar a propaganda de hoje é de doer no coração. Pois a propaganda que se faz hoje, nacionalmente, é uma propaganda burra, sem ideia, um varejo rastaqüera que foi comprar roupa em butique de luxo.  Não há ideia, não há humor, não há encanto, não há paixão. É tudo igual”. E com a tal verve mordaz solta essa: “A última campanha com uma ideia, com humor saudável, conquistador – que eu me lembre – é a do Posto Ypiranga. Pegue as telefônicas, os bancos, os desodorantes, os carros.  Uma mesmice canhestra embrulhada em efeitos especiais e computer graphic design. E mais nada. Onde estão as ideias, pelo amor de Deus! Onde está a cumplicidade entre a peça publicitária e o destinatário dessa peça? Onde se escondeu a magia de fazer despertar no leitor o desejo de ter tal coisa? Onde foi parar o texto brilhante, encantador, o título que arrebatava o leitor? Não tenho visto mais nada disso. Há um grande vazio que pretende ser preenchido por efeitos especiais – como se esses fossem o alfa e o ômega da propaganda. E não é. A ideia, essa é a maestra! E fica o dito por não dito – e mesma que chova tem pó. Esse era o slogan de um fabricante de café em pó. Eu o ouvi há mais de meio século. E o repito até agora. Porque isso é uma ideia. Ponto final”.