A São Silvestre é uma das provas mais tradicionais do Brasil. Talvez seja a mais conhecida. Percorrer os 15 quilômetros em São Paulo – algo que tivemos o prazer em 2013 – é algo prazeroso e diferente, uma energia muito bacana, como uma preparação especial para a virada do ano que está por vir. Em função de seu tamanho, o que acontece na São Silvestre também ganha corpo em termos de repercussão.

No ano passado, na 93ª edição da prova, foram 30 mil inscritos, com representantes dos 27 estados do país. Mais do que a festa, a corrida de 2017 foi marcada por uma polêmica. Doze corredores, de uma assessoria de corrida de Sorocaba, fizeram a prova com o mesmo número 23023. Isso é algo impossível! Para quem não está familiarizado com o universo das corridas de rua, a lógica é bastante simples. Uma empresa organiza a corrida, cuidando de todos os detalhes que envolvem um evento para um determinado número de pessoas (inscrições, medalhas, hidratação, kit, segurança, autorização da administração pública, respeito à legislação e etc), e passa a vender aos interessados.

Os corredores se inscrevem, pagam uma inscrição – no caso da São Silvestre, entre de R$ 170), retiram o kit (normalmente composto de número de peito e chip, além de outros itens de patrocinadores) e participam da prova normalmente, usando a estrutura de hidratação e recebendo uma medalha de participação. Até então, a grande preocupação das organizações era em coibir “os pipocas”: aqueles que se aproveitam da estrutura da prova para correr, sem inscrição, número de peito ou medalha ao fim, embora, muitas vezes, utilize a água e outros materiais oferecidos ao longo do percurso para os atletas.

Nossa opinião

Como o nome já diz, as corridas de rua acontecem em espaços públicos. Como corredor, não vejo problema quando os pipocas utilizam o espaço fechado para a circulação de carros (quem não quer correr em segurança?), desde que não atrapalhem na largada e chegada (os pontos críticos das provas) e não peguem água e outros itens oferecidos a quem pagou pela inscrição. O que aconteceu na São Silvestre vai muito além disso.

O pipoca, em momento algum, tenta simular o pagamento de uma inscrição ou que está autorizado a participar daquele evento. Ele simplesmente corre, sem número, sem chip, sem medalha. O que ocorreu na São Silvestre é um ato de desonestidade, que lesou ainda mais a organização, visto que foi uma tentativa de fraude. A corrida de rua é um esporte que não permite a desonestidade. Você pode se inscrever para os 5, 10, 21, 42 ou uma ultramaratona, mas, se não treinar para isso, por mais forte mentalmente que seja, uma hora o corpo vai cobrar a falta de treinos.

Sem se dedicar, é impossível melhorar, seja reduzindo tempo,  aumentando a distância ou mesmo concluindo a prova bem e feliz. Mais importante: na corrida entre amadores, por mais que haja troféus em disputa, há um clima de companheirismo que permeia as provas. É comum ver pessoas parando para ajudar corredores com cãibras ou que passaram mal, diminuindo o ritmo para acompanhar aquele parceiro que está claramente cansado. Ao ver uma pessoa forjando um número de inscrição, o propósito da corrida perde o seu valor.

Outro lado

A assessoria da qual os corredores que clonaram o número faziam parte, a Run Up, de Sorocaba (SP), divulgou uma nota à imprensa: “Em relação ao ocorrido no último dia 31 de dezembro (…), a Assessoria Esportiva Run Up esclarece, por meio deste manifesto, que repudia veementemente qualquer prática antiética e antidesportiva, pois não compactua com nenhuma conduta que desrespeite o direito absoluto à integridade ética e moral, que são os pilares principais da nossa existência. Já estamos tomando as devidas providências quanto aos envolvidos no fato e também estamos em contato com os organizadores do evento em questão, para retratação e reparação. Expressamos nossas mais sinceras e humildes desculpas e seguimos em frente, na dedicação e busca incansável pelo bem-estar do próximo e por um país mais ético e decente”.

A organização da São Silvestre também se manifestou, informando que os envolvidos serão banidos das provas e não poderão mais se inscrever em provas realizada pelas Yescom. “A Assessoria Run Up terá seu cadastro bloqueado nas provas da Yescom e não terá mais espaço para montagem de tendas”.