Daniel Castellano

Em casa, no trabalho, no trânsito, no transporte — público, táxi ou via aplicativo —, na rua, no bar, e em todos os outros lugares, sempre há casos de mulheres vítimas de crimes cometidos pelo fato de serem mulheres. Estupro, assédio físico e moral, agressões físicas e verbais, crimes com características sexistas e motivação que não se aplicaria no caso de uma vítima masculina. A pesquisa Violência Contra as Mulheres, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgada no fim de fevereiro, mostra que não existe lugar seguro para as mulheres. Em todos os ambientes elas sofrem agressões.

E, para piorar, a pesquisa mostra que a maioria dos casos de agressão aconteceu no ambiente doméstico. Segundo o estudo, 76% das agressões são cometidas por homens conhecidos (namorado, cônjuge, companheiro, vizinho ou ex). A maioria das vítimas, 52% se calaram e não pediram ajuda da família e nem buscaram uma delegacia. Mas, mesmo que em números menores, os demais ambientes também são locais onde elas sofrem de assédio a agressões — trabalho, escola, bares, parques, transporte e até mesmo em igrejas há relatos de casos.

Na pesquisa, foram ouvidas 2.084 pessoas. Em 2018, por hora, ao menos 1.826 mulheres foram vítimas de algum tipo de violência no Brasil. Ao todo, foram 16 milhões de brasileiras (27,4%) que sofreram algum tipo de violência. A maioria foi vítima de ofensa verbal, como insulto, humilhação ou xingamento.

Segundo a promotora Ana Carolina Pinto Franceschi, coordenadora do Núcleo de Promoção da Igualdade de Gênero do Ministério Público do Paraná, a insegurança relacionada à violência de gênero só pode ser reduzida com mudança na cultura. “Essa violência vai diminuir quando houver uma mudança de cultura, quando essas mulheres se sentirem empoderadas a noticiarem. A pesquisa mostra e todas elas confirmam (que não estão seguras em nenhum lugar). Não é uma aparência de que isso ocorra. É fato”, pontua.

A subnotificação ainda continua a chamar atenção. “Há inquéritos que não chegaram ao MP ainda. Pela extração a gente observa que os números têm aumentado. Antigamente ainda não se chamava feminicídio, mas hoje há ainda muitos casos de feminicídio tratados no inquérito policial como homicídio comum. Existe, sem dúvida, subnotificação e mortes de mulheres que recebem outras notificações”, afirma.

Embora reconheça avanços, a promotora ressalta que o machismo ainda é institucionalizado. “Só a lei mais severa não basta. A gente precisa do empoderamento da mulher, reduzir a dependência dessas mulheres e aperfeiçoar a rede de combate à violência. Existe preconceito, machismo institucionalizado, por ela ter vergonha e medo”, diz.

Bebida, drogas e machismo movem a violência de gênero

A delegada Eliete Aparecida Kovalhukm, da Delegacia da Mulher de Curitiba, afirma que apesar de local diversificado, os casos mais comuns de violência contra a mulher ainda ocorrem quando o homem está bêbado ou drogado. “Dentro de casa, (a maioria é de) pessoas embriagadas, normalmente o homem embriagado ou sob efeito de entorpecente. Mas infelizmente ainda temos a questão cultural. Muitos homens ainda não entenderam que hoje a mulher não é mais um ‘patrimônio’ do homem, que para ele não merece estar ao lado e sim atrás, submissa às vontades dele”, lamenta.

Violência doméstica e crimes contra dignidade sexual são as duas principais atribuições da Delegacia da Mulher. “O lugar onde a mulher mais deveria se sentir segura, ao lado das pessoas em que ela mais confia, são as primeiras que a ferem, a apunhalam. No caso dos delitos sexuais, tem outros lugares. Casos que ocorrem na balada, táxis e veículos de aplicativos. E ocorre no meio da rua, que são aqueles estupros seriais que ocorrem no início de manhã e final de noite, em locais ermos, onde a mulher é abordada e levada a matagal”, afirma.

Em seguida, segundo a delegada, as agressões diversas ocorrem em trânsito. “Existe em ônibus. A gente tem muita importunação sexual em ônibus, mas em via pública, em parques.

Importunação em ônibus já contabilizam 14 casos em 2019

Nos últimos 12 meses, segundo o fórum de segurança, o número de mulheres assediadas fisicamente no transporte público é de quase 4 milhões, considerando as entrevistas realizadas pelo Datafolha, que aponta também para subnotificação. Em Curitiba, segundo a Patrulha Maria da Penha, da Guarda Municipal, no ano de 2018 foram registradas 59 ocorrências envolvendo importunação sexual e atos obscenos no transporte público. Foram oito casos em janeiro e outros oito no mês de fevereiro daquele ano. Neste início de 2019, já foram registradas 14 ocorrências: sete em janeiro e sete em fevereiro.

“Existem duas situações no transporte. Quando o ônibus está lotado é natural que as pessoas se encostem, infelizmente, uma na outra. Só que o homem não pode se aproveitar dessa situação para se aproximar mais acintosamente, mais lascivamente da mulher”, afirma a delgada Eliete Kovalhukm.

A presença de testemunhas ajuda na punição do agressor. “A gente teve um caso aqui em que esse fator foi justamente a razão de a gente ter autuado, porque o ônibus nem estava tão lotado, mas mesmo assim ele se aproximou da mulher, a pretexto de dizer que estava lotado, mas não estava, porque a gente teve testemunha, e efetivamente acabou roçando o membro sexual nas costas dela. Houve uma importunação sexual porque não havia motivo, foi absolutamente deliberado, não foi involuntário”, diz a delegada.

Casa é o local menos seguro
Entre os casos de violência, segundo o levantamento do Datafolha, 42% ocorreram no ambiente doméstico. Após sofrer uma violência, mais da metade das mulheres (52%) não denunciou o agressor ou procurou ajuda. “Em geral, sim. Infelizmente a casa é o principal local de agressão. Não só feminicidio, como outras violências contra mulheres. Nessa pesquisa, as mulheres responderam”, confirma a promotora. Entre os casos mais recentes, o mais emblemático é da advogada Tatiane Spitzner, de 29 anos. Ela foi morta pelo marido, em agosto, e teve corpo jogado do 4ª andar do prédio onde morava, em Guarapuava, na região central.