Pelo menos 20 pessoas foram presas em flagrante na sede da Polícia Federal (PF) em Curitiba, nos últimos seis meses, suspeitas de forjar casamentos ou uniões estáveis entre imigrantes e brasileiros para tentar regularizar situação de estrangeiros no Brasil. Além das prisões, todos os casos de autorizações de residência emitidas pelo Núcleo de Registro Migratório (NRM) em Curitiba antes de setembro do ano passado estão sendo revistos. Mais de 300 processos já foram cancelados até agora e mais de cem outros procedimentos de cassação de residência foram abertos. Ao fim da revisão, a PF espera cancelar até 400 autorizações. A ação, que parte de Curitiba, mas envolve todo o Paraná, é inédita.

O “pente-fino”, segundo a PF, é resultado de uma reestruturação realizada a partir de setembro. O trabalho é encabeçado pelo agente federal Wladimir Caciano de Oliveira, que também é professor de Direito Constitucional e Direitos Humanos, e assumiu recentemente o comando do núcleo. “Havia necessidade de atender uma demanda. Com a melhora do núcleo, contratação de mais pessoas, foi algo que aconteceu naturalmente. É fruto de trabalho, também da delegada Silvia (Sílvia Cenzollo Peloi) e da direção da PF em Curitiba. Não foi com esse objetivos especifico (de aumentar o rigor)”, afirma Oliveira. A reestruturação, segundo o chefe do núcleo, inclui acréscimo de funcionários e equipamentos, e implantação de um novo sistema, o Sismigra, criado para a Divisão de Registro Migratório (DRM) da PF, que digitalizou os processos.

“Passamos de 35 para 75 agendamentos por dia, fora os atendimentos de refugiados e casos de naturalização. Também são atendidas 140 pessoas por dia que pedem informações e vêm para retirar documentos. Estamos pegando todas as fraudes que ‘passaram’ (antes da reestruturação). É um trabalho demorado e custoso. Estamos revisando todos os processos”, afirma.

A maioria das suspeitas de irregularidades encontradas nas revisões de autorização de residência para estrangeiros ocorreram por falsos casamentos ou uniões estáveis e comprovação falsa de dependência econômica. “Conseguimos fazer mais diligências”, afirma.

A prisão em flagrante mais recente ocorreu ontem, em que quatro haitianos foram detidos em flagrante por supostamente apresentarem falsas Certidões Consulares do Haiti para regularizarem sua situação imigratória no Brasil. A Embaixada do Haiti teria confirmado a falsidade dos documentos.

No dia 28 de março foi um homem marroquino e uma mulher brasileira que teriam tentado simular um casamento para regularizar a situação do estrangeiro no País. Antes disso, no dia 21 de março, a PF deteve duas pessoas, uma cubana e um brasileiro, também em flagrante.

De acordo com o policial federal, a frente de trabalho possibilitou a descoberta de quadrilhas especializadas em fornecer conjuntos de documentos falsos para imigrantes. Essas quadrilhas, segundo a PF, reúnem profissionais como advogados e despachantes, além de indivíduos que se sujeitam a “emprestar” sua cidadania para compor falsos casamentos. As quadrilhas cobram em média R$ 10 mil por procedimento, segundo a PF.

Os brasileiros que se casam com estrangeiros no esquema são geralmente pessoas em situação de vulnerabilidade. Há casos que envolvem garotas de programa que recebem para se casar . Oliveira explica, entretanto, que a maioria dos falsos cônjuges brasileiros é aliciada pelas quadrilhas. “Existem as duas situações. Tanto aliciamento pelas quadrilhas, que são 90% dos casos, como o caso mais recente, do marroquino, que eram pessoas que trabalham juntos (sem envolvimento com quadrilhas)”, aponta.

PF nega perseguição e influência política
O agente federal Wladimir Oliveira garante que não há perseguição a imigrantes e que todos os direitos são respeitados. “O que a gente não pode admitir como polícia é o crime. Nós vamos sempre acolher o imigrante que esteja em situação de vulnerabilidade, mas vamos reprimir com veemência a imigração fraudulenta. Existem vários caminhos legais para a imigração”, justifica.

Segundo o agente, há inclusive iniciativa de comunicar organizações de assistência social. “(No caso das revisões de processo), há investigação, inquérito e a pessoa vai responder à Justiça num processo judicial. Nas prisões, comunica-se ao consulado, à ação social e todas as ONGs têm acesso. Criamos até um grupo de Whatsapp para a ONGs. Essas prisões são sempre comunicadas e a gente nunca impede assistência”, garante.

Casos de deportação são raros e não há informação de pessoas que tenham permanecido presas. Geralmente, segundo a PF, os estrageiros são notificados e têm 60 dias para deixar o País, mas a maioria permanece, pois não há ações de busca, a não ser que algum crime seja cometido pelo imigrante. Os presos em flagrante passam por audiência de custódia em seguida, é arbitrada a fiança e a pessoa pode responder em liberdade. O policial também afirma que não há qualquer influência política nem ideológica na mudança de conduta dos casos.

Conforme registros apurados pela reportagem, a maioria dos estrangeiros que tentam regularizar a situação com falsos casamentos é chinesa. Em alguns casos, são estrangeiros que trabalham de forma irregular em lanchonetes e se casam com colegas de trabalho na tentativa de poder formalizar a situação após obtenção da residência.

Sequência de casos levantou suspeitas
Os presos nesses casos em Curitiba têm respondido pelos crimes de estelionato, falsidade ideológica em documento público e em documento particular e uso de documentos falsificados. Os crimes somam penas que chegam a 15 anos de prisão. Todos os detidos em flagrante de que se tem registro até agora em Curitiba, segundo a Defensoria Pública da União (DPU), foram liberados no dia seguinte ou a alguns dias da prisão. Os suspeitos respondem em liberdade e ainda não há informação de deportações.

Um dos casos ocorreu em 30 de janeiro. Uma brasileira, moradora de Passo Fundo (RS), e um senegalês foram presos em Curitiba por supostamente simular uma união estável. A PF suspeita que a brasileira tenha recebido dinheiro para simular a situação. Um dia antes, no dia 29 de janeiro, também na PF em Curitiba, três pessoas foram presas em flagrante. O trio, que inclui uma pessoa suspeita de aliciar os envolvidos, teria tentado simular união estável entre uma brasileira e um chinês. A suspeita é de que o estrangeiro tenha pagado as duas mulheres para tentar forjar documentos.

Outros dois casos, que teriam dado origem à série de prisões consecutivas, ocorreram em 19 e 22 de outubro de 2018. No primeiro, quatro pessoas foram presas em uma sexta-feira. O caso envolve a permanência de uma chinesa que teria tentado comprovar união estável com um brasileiro morador de Curitiba. Um homem que declarou por meio de procuração que o casal morava em um apartamento dele, junto com ele, também foi detido nessa situação. Três dias depois, uma despachante, de nacionalidade paquistanesa, já residente regulamentada, foi presa suspeita de orientar uma suposta simulação de união estável de uma brasileira com um moçambicano indocumentado.