CMC/arquivo

Em audiência pública na Câmara Municipal de Curitiba na semana passada, especialistas apontaram que o debate sobre o uso medicinal do canabidiol no Brasil já estaria “maduro”. “Há mais maturidade hoje sobre o assunto, inclusive pelo tema ter crescido em repercussão. O uso medicinal do canabidiol chegou até mim pela minha representação das pessoas com deficiência. Muitas estão fazendo uso do CBD [sigla para canabidiol] e relatando benefícios”, justificou o vereador Pier Petruzziello (PTB), que propôs a discussão, citando autismo, depressão e epilepsia como exemplos. “É uma pauta plural, pluripartidária e nacional”, afirmou Petruzziello.

Em dezembro de 2018, o assunto foi abordato pela primeira vez na Casa, quando o então vereador Goura (PDT), agora deputado estadual, reuniu familiares de crianças beneficiadas pelo tratamento com canabidiol e especialistas para abrir a discussão. A cidade tem estado à frente em relação ao tema, a ponto de, nesta semana, o ex-prefeito de Curitiba e deputado federal, Luciano Ducci (PSB), presidente da comissão especial sobre a liberação do cultivo da cannabis sativa para fins medicinais (PL 399/2015), desempatar a votação sobre a matéria a favor da proposta.

Também participaram da audiência os vereadores Alexandre Leprevost (PSD), Amália Tortato (Novo), Marcelo Fachinello (PSC), Maria Leticia (PV), Indiara Barbosa (Novo), Mauro Bobato (Pode) e Osias Moraes (Republicanos). Vários parlamentares se manifestaram favoravelmente ao uso medicinal do canabidiol durante a audiência, com a lembrança que um projeto de lei municipal sobre o tema tramita na CMC. A iniciativa estabelece uma campanha de conscientização sobre o uso do canabidiol, a ser realizada anualmente no dia 20 de abril.

Brasília – Abrindo as falas, o deputado estadual Goura pediu a mobilização da sociedade em favor do PL 399/2015, no Congresso Nacional, pois após a aprovação na comissão especial da Câmara Federal a proposta deveria seguir direto para o Senado, mas se cogita que um recurso regimental, assinado por quem discorda do uso medicinal da cannabis, forçaria uma votação em plenário, retardando o avanço da pauta. “Já há previsão da prescrição de canabidiol pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], mas, hoje, o produto não é acessível à maior parte da população [por ser, em geral, importado]”, relatou.

Goura aponta que, com a regulamentação do plantio para fins medicinais, ainda que seja só para produtores vinculados a uma pessoa jurídica, já se trata de um avanço. Ele citou as poucas associações de produção autorizada que existem, dando o exemplo da Abrace Esperança (Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança), localizada em João Pessoa, que é a capital da Paraíba. “No Paraná, mil famílias são beneficiadas por um produto vindo da Paraíba. Por que não ter associações [desse tipo] aqui no estado?”, perguntou. Goura adiantou ter conversado com o senador Flávio Arns (Pode), que seria favorável a esse avanço.

Prescrição – Respondendo a perguntas da população que acompanhava a audiência pelas redes sociais, o médico Renan Abdalla, da Clínica Renasce, informou que existem três formas de acesso ao CBD no Brasil. Ele disse que o remédio pode ser obtido nas farmácias, se o paciente tiver o receituário azul. A segunda alternativa é, de posse de uma receita simples, fazer um cadastro na Anvisa e importar o canabidiol dos EUA, da Suiça ou do Uruguai. A outra forma é, com laudo médico e receita, cadastrar-se junto a uma associação nacional e ter acesso aos produtos no receituário daqueles produtores legalizados.

Antes dessa explicação, Abdalla contextualizou o uso terapêutico da cannabis. “Essa planta já se provou medicinalmente há muito tempo. Ela faz parte de uma das primeiras farmacopeias do mundo, 4 mil anos atrás, na China, quando a usavam para dores articulares crônicas. O extrato do fruto da cannabis nos entrega mais de 500 compostos naturais. Os dois principais são o canabidiol e o THC. O CBD é muito seguro, com efeitos colaterais muito sutis, sendo uma alternativa terapêutica relevante para a medicina, pois é muito anti-inflamatório, um pouco analgésico, neuroprotetor e com poder anticonvulsivante forte”, defendeu.

Acesso – Para o químico Fabiano Soares, quando a sociedade internacional proibiu integralmente a cannabis, em 1961, cometeu um erro, pois o receio do uso abusivo do THC impediu o avanço dos estudos, por exemplo, sobre os benefícios do canabidiol. “A estrutura química do THC mesmo só foi descrita em 1964”, exemplificou. “Essa proibição fez com que a gente descobrisse só no século 21 o efeito antiepilético do CBD, apesar disso já ser demonstrado no final dos anos 1970. Precisamos lutar por informação qualificada para desmistificar o assunto”, defendeu.

A pedagoga Melissa Vicentini, mãe de Pedro, uma criança que desde cedo apresentou epilepsia, relatou a melhora da situação de saúde do filho após a administração do CBD, com a interrupção por dias consecutivos das convulsões frequentes que perturbavam a criança. “A CBD precisa ser oferecida aos pacientes como primeira opção. Não é mais aceitável hoje fazer com que as famílias utilizem vários medicamentos, com várias comorbidades que os alopáticos podem trazer, que comprometem toda a vida de uma pessoa”, afirmou.

“Eu li os dois pareceres da Conitec [Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde, que é independente do Ministério da Saúde, e avalia a oferta dos medicamentos no SUS após aprovação pela Anvisa]”, começou o médico Marcelo Kolling, do Departamento de Atenção Primária à Saúde da Prefeitura de Curitiba, destacado pelo Executivo para participar da audiência. “O primeiro, de dezembro de 2020, que trata da esclerose múltipla, cujo composto tem canabidiol e THC, que foi optado pela não incorporação, por não se entender que o benefício era claro naquela situação”.

“E do outro, de canabidiol para epilepsia refratária”, continuou Kolling, “que é mais recente e esteve em consulta pública até pouco tempo atrás”. “Também teve parecer de não incorporação pelo SUS, mas nesse caso não por eficácia, mas pelo custo. Esse parece ser o grande impedimento da incorporação pelo SUS, neste momento, do que eu vi no relatório. Não é falta de eficácia, mas de viabilidade. É uma discussão que não é fácil de fazer”, ponderou. Ele apontou que, nos estudos atuais, não há casos de dependência de CBD, diferente da morfina, por exemplo. “Se houver a prescrição médica, acaba tendo a judicialização [no SUS] e o Estado pode pagar em alguns casos”, relatou o médico Renan Abdalla.