Lina Sumizono/Divulgação – Cena da montagem de “Dezembro” da Cia. Armadilha.

Por um olhar ligeiro, “Dezembro” (em cartaz no Teatro José Maria Santos até 5 de maio) pode parecer uma comédia, e é o que boa parte do público reflete, rindo das tiradas.

A maior graça, no entanto, está na forma como autor (Guillermo Calderón) e diretor (Diego Fortes) optam por entremear gags em meio a um tema extremamente atual e delicado.

Uma guerra na América do Sul. Com fortes raízes na Guerra do Pacífico, lá do passado (1879-1883), a trama, que se passa no futuro, imagina um novo conflito entre Chile, Peru e Bolívia, já no século 21, na tentativa boliviana de recuperar o pedaço de mar perdido (meta que consta na atual carta constitucional do país vizinho) e áreas ricas em recursos naturais.

O Peru vem com tudo também, em sua histórica rixa contra os chilenos, que rebatem com o que parece ser um histórico complexo de superioridade.

O ponto alto é o relato do bombardeio de Machu Picchu, que traz sonoras conexões com as notícias de destruição de patrimônios culturais no mundo árabe, mas como é nosso quintal dói muito mais.

“Dezembro”, na montagem do curitibano Diego Fortes, é organizada em tríades: 3 atores, cada um com dois personagens.  3 opiniões. A arena em 3 alas. 3 saídas.

Uma estrutura didática para um conflito complexo, que lança raízes na alma e expõe as brigas de família, os Natais tristes, a incapacidade de comunicação e compreensão do outro. Algo profético, se pensarmos em quantas famílias estragaram suas festas ano passado pela divisão política (não acompanhei se o problema continuou nessa Páscoa).

Na montagem de “Dezembro” apresentada durante o Festival de Curitiba, a proximidade com a cena e os atores foi muito positiva. Nesta temporada, agora no José Maria Santos, vamos ver como fica!

O cinismo com que se conta a dor, a trivialidade mesclada ao épico (a vida dos irmãos na infância), a nostalgia da família, a saudade dos pais, o afeto fraternal (que está se tornando recorrente no trabalho de Diego Fortes). “Seca o dedo antes senão não vai sentir a lágrima.”

A visão da América Latina no confronto entre os coitadinhos e os arrogantes, a frustração de ser grande e não ganhar, a resignação de desejar algo e ter que aceitar que não conseguiu o que queria, e se rearranjar com isso (Jorge queria um fuzil, Paula não queria a guerra, o tio não queria que destruíssem Machu Picchu).

Imagina uma gravidez em meio a tudo isso. (Colaborou Gerson Smal Staehler)

SERVIÇO

Teatro José Maria Santos (Rua Treze de Maio, 655).

INGRESSOS GRATUITOS

18 de abril a 5 de maio, quinta a domingo, às 20h

Aos sábados, sessão extra às 18h. Retire seu ingresso no próprio teatro 1 hora antes de cada sessão – 2 ingressos por pessoa.