Poucas vezes vi um espetáculo tão ligado a seu contexto como “Domínio Público”. A estreia no Festival de Curitiba (dia 29) causava grande curiosidade, alegria e até temor em diferentes públicos, ao colocar em cena 4 artistas atacados em 2017 por suas obras, cujas acusações foram de “pedofilia” para baixo. Não foi a primeira vez que o festival trouxe uma obra cercada por polêmica, mas provavelmente esta foi a mais delicada e emocional de todas.

Prestes a abrirem-se as cortinas, a dúvida: trariam eles uma resposta à altura? Fariam com que a plateia se despisse num ato de solidariedade? Eu particularmente apostava num congraçamento com a classe artística e seus simpatizantes, num grande abraço de apoio e estímulo a continuar.

Foi isso e muito mais. Ninguém esperava algo tão plenamente artístico. Uma obra colada a seu contexto, com fina ironia e sutil provocação, mas que também poderia ser fruída por um estrangeiro que adentrasse solo nacional, como os há realmente em Curitiba por ocasião do festival.

Os ataques do ano passado, que eu vi como fruto de profunda ignorância, mas há quem veja como um orquestramento político, me influenciaram como jornalista cultural e como mãe. Escrevi aqui a respeito.

O clima é de frio para conseguir tratar de algo tão pessoal e revoltante, trazendo na memória as injúrias, perseguições e até ameaças. Muitas obras cênicas já recorreram ao formato de palestra, mas “Domínio Público” o fez com uma grande potência que a precedia e que se confirmou em cena. O figurino sofisticado empresta esse adjetivo a toda a montagem, termo usado também pelo curador Guilherme Weber em bate-papo com artistas e público após a peça.

A única questão que não se encaixa, levantada também durante o debate, é a ausência (presumível) do público cuja ignorância talvez pudesse receber um lampejo de luz ali. Talvez o espetáculo nunca alcance essa pessoas, e talvez o diálogo seja mesmo impossível. Será?

LegendaFoto de Annelize Tozzeto