Luisa Bonin/Divulgação

O teatro encanta e convida para o jogo, mas muitas vezes ele quer ensinar também. E hoje temos muito a dizer, pois foi-se o tempo de sutilezas e sombras, por mais que queiram nos silenciar.

A proposta de “Bem-vindos à espécie humana” inova ao resgatar de forma crua teorias a respeito de como o homem se tornou esse ser que está aí. Inteligente, sabido. Tão hábil com instrumentos, criador de todas as coisas (que se possa comprar). Um tiquinho destrutivo, ou quem sabe geneticamente assim. Cruel, crudelíssimo, único a torturar seu semelhante.

O espetáculo da companhia brasileira faz um resgate da história da arte como criação suprema (por vezes suprimida) desse ser, num insano carrossel de imagem e fala a rodar, mas que não chega a lançar num globo da morte. Não destrói como faz com tanta habilidade o protagonista da história. A agressividade crescente em cena não chega a assustar, pois não é capaz de ir até o fim e destruir, por exemplo, a árvore. Uma desbastada, e chega, vamo-nos daqui. Quem sabe um tiquinho de esperança ali?

Os olhos que procuram a plateia falam mais que mil palavras, e a curta duração do espetáculo nos faz soltar a respiração antes do esperado.

De acordo com o programa, parte-se de uma ideia original de Benoit Lambert, com texto e tradução de Giovana Soar, direção de Nadja Naira e supervisão de Marcio Abreu.

No elenco, Giovana e Cassia Damasceno criam um espelho de personagens com gestual que flerta com a contação de histórias e o teatro de objetos, em ironias explícitas e cômicas. Aqui o panfleto: Coca-cola, Disney, capitalismo, dinheiro, estão todos lá.

Seria essa uma tentativa de entender a espécie humana, como se diz no início? Ou uma intenção de afronta àqueles que insistem em crer em um Deus único e amoroso, salvador, sofredor, servidor, resgatador e amigo? Custo a crer na segunda opção, pois para isso temos produtos de massa como “Porta dos Fundos”, e todos aqueles que caem na provocação inócua.

Não, aqui se dialoga com iguais, e parênteses: que plateia maravilhosa. Volto ao teatro Novelas Curitibanas, agora devidamente chamado Claudete Pereira Jorge, e ele não só resiste como enche a casa. O público mudou. Se antes o estacionamento ficava repleto, ainda mais em dia de chuva, agora quem vai utiliza outros modais, pois sobram vagas para encaixar o carro. Não resisto à tentação de responder à senhora ao meu lado que se surpreende com um teatro tão bacana ao qual ela nunca havia ido. “Aqui nem sempre foi teatro.”

Não é a primeira vez em que me encontro com uma cosmovisão diferente da minha, aliás difícil é que coincidam. Sofro só um pouquinho, pois minha experiência de crer, falar e ser ouvida não rende uma ópera, ou ainda não rendeu. No palco, a outra versão. Nada de fôlego da vida, só o acaso duro e nu.

Aqui tenho a palavra? Bom… digo apenas que a vida pode ser melhor quando é criada.

A arte se exige política, ok, mas ai daqueles panfletos que se atira à plateia, pois ali morre um pouco o jogo. Talvez seja um tempo de palestras mesmo.