Reflexão bíblica sobre a Campanha da Fraternidade Ecumênica enviada pelo Frei Vicente Artuso, OfmCap. (Imagem: Pixabay)

O texto da Campanha da Fraternidade de 2021 caracteriza-se como ecumênico, não apenas pela participação efetiva do CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs) na sua elaboração, mas pelos objetivos e sua linguagem propositiva e coloquial. A divisão em três partes é um convite as pessoas de boa vontade para construir a unidade, caminhando juntos.

Diz um provérbio africano: “Se você quer ir rápido vá sozinho, se você quer ir mais longe caminhe junto com outro”. Na caminhada juntos em vista de um objetivo, há momentos de parar, de rever, para depois retomar a marcha. Assim o povo de Israel no deserto caminhava e fazia suas paradas para se refazer e depois reiniciar.

A linguagem do texto base dividido em três paradas é sugestivo. A estrutura corresponde as três etapas do conhecido método: ver, julgar e agir.

A primeira parada: é o momento do diálogo para “trocar impressões sobre os acontecimentos”. Isto é, VER ao redor, observar com atenção. O que não significa ficar passivo, pois é o ver para partilhar na conversa construtiva em fraternidade.

A segunda parada: é para refletir à luz do evangelho, com o título: “Carta para pessoas de boa vontade em um mundo cheio de barreiras e divisões”. Essa carta é baseada na prática de Jesus que veio para derrubar os muros da divisão. Essa parada é para JULGAR as práticas e atitudes na caminhada a luz de Jesus, de seu encontro com os discípulos de Emaús (Lc 24,13-35).

Ele lhes interpretou as Escrituras para que abrissem os olhos, não ficassem passivos. Podemos dizer que Jesus foi formando os discípulos como um irmão caminhando junto e dialogando a partir dos acontecimentos recentes e a luz das Escrituras. Jesus se aproximou e perguntou: “Que palavras são essas que trocais enquanto ides caminhando”? (Lc 24,17) E um deles respondeu “Tu és o único forasteiro em Jerusalém que ignora os fatos que nela aconteceram” ? (Lc 24,18) Os discípulos nesse diálogo inicial estavam com o rosto sombrio.

Porém logo os fatos foram iluminados pela Palavra e por fim na prática da partilha do pão. Dizia Carlos Mesters “A leitura da Bíblia apenas, não abre os olhos, ela aquece o coração”. A prática do bem, no caso a partilha do pão em comunidade é o que abre os olhos. Esse abrir os olhos é resultado de uma reflexão a luz da Palavra de Deus para a conversão e prática do amor fraterno.

A terceira parada: diríamos que corresponde aos objetivos de construir a unidade: promover o diálogo ecumênico, a convivência religiosa. Esse é o AGIR, são as ações que as Igrejas podem assumir juntas. Dentre elas está o compromisso de superação da violência por meio de ações ecumênicas, em especial o documento menciona a violência contra as mulheres. Portanto é uma campanha ecumênica, pois é convite ao diálogo, naquilo que une: temas em relação a defesa da vida e o bem comum.

No ecumenismo não vamos tratar questões doutrinais que são diferentes e cada Igreja deve ser respeitada na sua doutrina. Nesse ponto o documento também foi criticado por não mencionar a Virgem Maria. Maria está no coração dos católicos e de todas as pessoas que amam Jesus! Paulo mesmo, nas suas cartas não fala o nome da mãe de Jesus, nem mesmo o Evangelho de João.

Todavia ela está presente nos momentos mais importantes da vida da Igreja nascente. O foco do documento não é doutrinal, mas é promover o diálogo com o diferente. Com razão dizia o Cardeal Odilo Scherer diante de ataques a CNBB e a Campanha da fraternidade: para dialogar é preciso baixar a temperatura, sem animosidade e manter o foco, isto é o propósito principal da campanha.

A Igreja Católica fez um gesto de grande abertura ao confiar a composição do documento ao CONIC, do qual ela faz parte. Ser católico é ser ecumênico. O Concílio Vaticano II (1962-1966) é chamado “ecumênico” não só porque contou com participação de teólogos e especialistas de outras religiões, mas porque se preocupou com problemas comuns de toda a humanidade.

Seu objetivo era fazer que a Igreja fosse reformada, sendo mais aberta para o mundo e seus problemas. Assim expressa a constituição pastoral Gaudium et Spes: “As alegrias e esperanças, as tristezas e angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem são as alegrias e esperanças, as tristezas e angústias dos discípulos de Cristo” (GS 1).

A solidariedade com a humanidade sofrida não é missão exclusiva da Igreja Católica mas de todos os cristãos discípulos e discípulas de Cristo. Muitas ações em vista do bem da humanidade, já realizadas em outras campanhas ecumênicas, são ações ou projetos que unem as pessoas: Assim lembramos os temas: “solidariedade e paz” (2005), “Economia e vida” (2010), e o tema da ecologia: “Casa comum, nossa responsabilidade” (2016).

Afinal a Igreja é católica por ser universal na sua missão em favor do Evangelho da vida. A crítica de grupos tradicionalistas, contra a campanha da fraternidade de que a CNBB estaria sendo movida por interesse políticos de partidos de esquerda, não procede.

A campanha da fraternidade ecumênica não diminui a identidade da Igreja Católica, pois os Bispos estão unidos no mesmo objetivo. Eles são fiéis a Igreja e seguem uma doutrina social, bem apresentada no documento da Pontifícia Comissão Justiça e Paz: “Compêndio de Doutrina Social da Igreja” do Papa João Paulo II (1988). Vamos conhecer mais a nossa Igreja que é universal, por buscar estar presente e ser servidora em meio aos mais sofridos. O Objetivo é sermos mais fiéis ao Evangelho de Cristo que prega a unidade derrubando os muros da intolerância  e indiferença.

A fome, miséria, feminicídio, racismo, violência contra homossexuais, tráfico de mulheres, tráfico de drogas, intolerância com o diferente, são alguns desafios a serem enfrentados por todos os governos, todas as instituições e também as religiões. “Fraternidade e diálogo, compromisso de amor” essa campanha de 2021 deve construir pontes de diálogo ecumênico em vista do bem de todos.

“Deus chama a gente para um momento novo, a caminhar junto com seu povo. É hora de transformar o que não dá mais” (Canção “Momento novo”). Deus fez uma aliança com Noé, com Abraão, com Moisés e todo o povo de Israel. Essa aliança deve ser correspondida pelo povo na vivência dos mandamentos em relação a Deus e em relação ao próximo.

Concluo lembrando o lema da campanha da fraternidade de 1968 “Crer com as mãos”. Isso significa crer em Deus mediante uma fé ativa nas obras. Com efeito “a religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso Pai consiste em cuidar os órfãos e as viúvas em suas tribulações e manter-se livre da corrupção deste mundo” (Tg 1,27).

Elevemos as mãos para o céu para orar ao Pai, e estendamos as mãos para a terra para os irmãos na solidariedade. Assim fez Jesus por seu ato supremo de amor morreu de braços abertos na cruz para salvar a humanidade.


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