Reflexão sobre uma oração feita de joelhos, diante da bandeira da República. (Imagem ilustrativa: Pixabay)

“Acabou p…”

É possível orar ajoelhado ao redor de uma bandeira com essas palavras?

No dia 01/08, as “milícias ensandecidas” que defendem à toda custa o Sr. Presidente da República saíram para as ruas para exigir o assim chamado “voto auditável”. A manifestação levou muitas e muitos ao questionamento se não deveríamos retornar também ao pombo correio, porque os e-mails e as postagens nas redes sociais – tão queridinhas das “milícias” acima citadas – não são auditáveis. Em todo caso, assistiu-se mais uma vez ao show de horror de um Brasil paralelo no qual ser “cidadão de bem” é a mesma coisa que ser machista, racista, homofóbico e ter ódio de pobre.

Na cidade de Londrina/PR, segundo uma postagem no Twitter do Deputado Federal Felipe Barros (PSL/ PR), um grupo desses “cidadãos de bem” estava ajoelhado ao redor de uma bandeira verde-amarela com as palavras “Acabou p…”. O que mais chamava a atenção no post era a legenda: “Londrina orando pelo Brasil”. Como palavras tão agressivas e chulas podem motivar alguém a orar?

Algumas informações importantes: se a postagem for procurada agora no Twitter, encontrar-se-á com a seguinte mensagem: “Este Tweet está indisponível”. Portanto, não é possível comprovar se a foto é verdadeira ou fake – usando uma palavra que os “cidadãos de bem” adoram, inclusive seu Mito se enrolou bastante por causa dela na última semana. Entretanto, pelo comportamento desses “milicianos” é de se esperar que a foto seja verdadeira.

Por quem eles oravam? A legenda dizia “pelo Brasil”. Mas, de fato, estavam orando pelo Sr. Presidente da República. Inclusive, um traço de sua personalidade ficou claríssimo nas últimas semanas: temos um Presidente que se comporta como uma criança mimada. Quando os holofotes não estão sobre ele – pudera os atletas, mas sobretudo AS atletas olímpicas brasileiras têm dado um show de alegria nos jogos de Tóquio –, faz birra. A criança mimada que despacha no Planalto do Planalto – bom, nem sempre porque prefere passeios de moto a se ocupar com o país que deveria governar – não suporta que MULHERES brilhem no maior espetáculo esportivo do planeta. E, por isso, birra! Como? Com o blá-blá-blá do voto auditável… Aff! O que as brasileiras e os brasileiros têm que aguentar! A propósito, um traço psíquico típico dos tiranos é ser mimado; só fica em paz quando seus caprichos são atendidos e o mundo gira em torno deles.

Mas de volta à postagem: supondo que a foto seja verdadeira, os “milicianos de bem” estavam orando pelo Presidente mimado. Mas a quem estavam orando? Pela sua pobre retórica, pode-se imaginar que a Jesus Cristo – afinal de contas, ser “cidadão/ miliciano de bem” implica ser nominalmente cristão.

Só nominalmente! O Jesus de Nazaré, manso e humilde de coração, não aprovaria que suas seguidoras e seus seguidores orassem em torno a palavras tão violentas e vulgares como “acabou p…”.

A oração, como tantas mestras e mestres da espiritualidade cristã e das diversas religiões esclarecem, é um ouvir silencioso e atento da voz Daquele que ama o ser humano, que tem suas entranhas de misericórdia comovidas pelo pobre e pequeno (Lc 1,78). Portanto, a verdadeira oração jamais admite violência. O orante se esvazia de suas pretensões e seus desejos para ser preenchido pelo Espírito Daquele a quem quer ouvir. Orar é deixar que o Amor de Deus encha todo o ser e a existência do orante; logo, não há espaço para vulgaridades na oração.

A verdadeira oração cristã – não a supostamente encenada na postagem do Deputado Federal – conduz o ser humano à contemplação do rosto de Deus e à ação em favor de seus prediletos, isto é, dos pobres. Ora et labora diria Bento de Núrsia, o pai do monaquismo do Ocidente cristão.

Como já foi mencionado anteriormente, mesmo que a foto postada no Twitter tenha sido “photoshopada”, não é de se estranhar que “milicianos de bem” façam isso. Que saibam, contudo, que não estão orando ao Bom Pastor de Nazaré, mas estão orando a outro deus.

Qual deus seria esse? Talvez os baals cananeus a quem se ofereciam sacrifícios humanos violentos. Mas também poderiam ser os deuses da fertilidade, cuja adoração se desenvolvia na prostituição sagrada. Prostitutas sacerdotisas recolhiam o sêmen dos fiéis e prometiam, com isso, a fertilidade da terra. Ao se ajoelharem em torno da palavra “p…”, os “milicianos de bem” mostram que também reverenciam o mesmo líquido sagrado de então.

* Pe. Matheus S. Bernardes é sacerdote da Arquidiocese de Campinas/SP e professor de Teologia da PUC-Campinas.