Por trás de cada maquiagem, cada cabelo, e cada roupa…

Especialistas é que garantem a mágica dos personagens na televisão e no teatro. São eles os responsáveis por lançar modas

Agência Estado

As cortinas se abrem e a atriz Claudia Raia revive os anos 20. A roupa cravejada de cristais e a peruca estilo chanel carregam o público para o clima burlesco de um cabaré. Enquanto isso, na TV, o telespectador avança mais dez anos, chega até a década de 30 e conhece a boemia do Rio de Janeiro. Nesse cenário, a atriz Heloísa Périssé aparece vestida de Dercy Gonçalves, no auge de sua juventude e deboche. Os elencos realmente conseguem recriar as histórias, mas por trás desses universos sedutores, como os do musical Cabaret e da minissérie Dercy de Verdade, profissionais gabaritados correm de uma coxia para a outra para encontrar o tom certo da sombra, o corte ideal da peruca e o tecido mais confortável para compor os looks da ficção.

Para eles, referências em suas áreas, nada é impossível. Em suas mãos, Edson Celulari vira mulher no musical Hairspray. Heloísa Périssé usa os mesmos vestidos surrados e floridos que Dercy Gonçalves desfilava nos anos 30, no Rio de Janeiro. John Malkovich ganha traços de vilania na peça The Infernal Comedy – Confissões de um Serial Killer. E as bandas Fresno e NXZero, com seus cabelos desalinhados, ditam tendência entre os adolescentes. Confira a seguir a história desses mestres dos bastidores.

Ele imortalizou looks,
como a maquiagem
de Jade e as unhas da
prostituta Bebel
Ao materializar a personalidade de figuras da ficção em beleza e estilo, o desafio do maquiador, fotógrafo e consultor de estilo Fernando Torquatto, de 40 anos, é agradar aos telespectadores. Torquatto já imortalizou looks de personagens que caíram no gosto do público, como o cabelo da contemporânea Helena (Taís Araújo), de Viver a Vida (2009), a maquiagem de Jade (Giovanna Antonelli), de O Clone (2001), e os batons e esmaltes da prostituta Bebel (Camila Pitanga), de Paraíso Tropical (2007). Torquatto diz receber da direção o briefing sobre a novela, mas não há nada sobre a aparência dos personagens. Preciso entender a personalidade, a história de cada um para fazer a caracterização, conta ele, que começou a trabalhar para a Globo em 2004, com a novela Da Cor do Pecado. Outro desafio do trabalho do maquiador foi adaptar o make das artistas para a chegada da tecnologia HD (high definition), cuja definição mostra até pequenas rugas, linhas de expressão e falhas de maquiagem, como excesso de pó. Diante da novidade e sem produtos específicos no mercado, Torquatto improvisou na série Os Normais (2003), primeira atração a ser exibida em HD. Até misturei base com hidratante para ficar bem levinho. O look ficava mais natural, recorda-se. Visitei feiras no exterior para conhecer as primeiras marcas com este conceito, mas não gostei.

A senhora
das  perucas
é disputada
por artistas

No musical Cabaret, em cartaz no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo, o look retrô de Claudia Raia ganha realismo com os fios negros em corte chanel, clássico dos anos 20 e 30. Mérito de uma peruca, recurso usado para dar verossimilhança à personagem. Não raro, na ficção, esse e outros tipos de peruca têm a mesma fonte: o salão da cabeleireira Nilta Murcelli, de 73 anos e mais de 40 de carreira.
A peruqueira das famosas criou a primeira peça há mais de 20 anos, para ela mesma ir a uma festa. Em 1999, um produtor a procurou para fazer o cabelo de Regina Duarte na minissérie Chiquinha Gonzaga. Hoje, Nilta coleciona uma lista com mais de 80 clientes da TV, do teatro e do cinema. Tudo registrado em fotos arquivadas em álbuns bem guardados em seu espaço, na Rua Augusta, em São Paulo. Na entrada do salão, um mural revela nomes de peso: Glória Menezes, Maria Fernanda Cândido, Deborah Secco, Juliana Paes, Raul Cortez e tantos outros. A peruqueira revela que, algumas vezes, as atrizes tomam tanto gosto pela cabeleira fake que acabam levando-a para a vida real, como fez a atriz Luana Piovani. Ela até dá nomes às perucas e as usa em festas, conta Nilta, que faz questão de conferir o resultado de seu trabalho sentada na plateia. Aliás, quando Hebe Camargo voltou à TV após começar o tratamento de um câncer no peritônio, no ano passado, a cabeleireira estava na primeira fila, esperando a apresentadora entrar com uma das três perucas feitas especialmente para ela. 
O preço das perucas varia de R$ 500 a R$ 6 mil. A mais cara, de R$ 9 mil, foi de Xuxa em O Mistério de Feiurinha (2009). Os cabelos eram loiríssimos e longos. Difíceis de encontrar.

Ela é a toda
poderosa
stylist
da ficção

Na juventude, lá pelos seus 18 anos, Marília Carneiro, hoje com 60, fez as malas para a Europa, foi desvendar a magia das esculturas egípcias e viajar pelas linhas do expressionismo. A princípio, seria apenas um curso de História da Arte. Mas entre uma pintura e outra, a carioca despertou para os alfinetes e os tecidos. Para a televisão, só faltava um empurrãozinho. No seu caso, foi um empurrão e, logo de Dina Sfat (1938-1989). A atriz, que, na época, pensava no look de sua personagem na novela Os Ossos do Barão (de 1973 e ambientada nos anos 30), notou em Marília, que tinha uma butique em Ipanema, potencial para ser figurinista.
Então, a convidou para cuidar do visual da trama. Amo ter entrado na TV. Antes, o meio era completamente careta, diz Marília, que, com mais de 30 novelas, tornou-se popular nos corredores da emissora. Afinal, o vestidinho surrado usado por Sonia Braga em Gabriela (1975), os enchimentos nas roupas de Wilza Carla em Saramandaia (1976), as meias lurex com sandálias de Dancin’ Days (1979) e os véus de Jade (Giovanna Antonelli) em O Clone (2001) saíram da cabeça da figurinista. Agora foi vez de Dercy Gonçalves ser homenageada por ela na Globo. Após
viajar a Madalena, no Rio (onde Dercy cresceu), e passar dois meses garimpando peças em brechós de São Paulo e tecidos no Largo do Arouche, Marília montou os looks.

O responsável
pelasnovas
Tesouras
e rock n´roll

Black power, fios longos, coloridos, certinhos ou espetados. É também nos cabelos que os músicos de todos os tempos expressam seu estilo. Nos últimos anos, por exemplo, ficou fácil identificar os integrantes das bandas de rock nacionais de uma nova geração, com suas franjas ou cortes estilizados, que rapidamente chegaram à cabeça dos fãs. Em comum, os rapazes de grupos como Fresno, Glória, NXZero e Cine confiam suas madeixas às mãos do cabeleireiro Willy Morales, de 31 anos, um uruguaio que chegou a Sorocaba, interior paulista, ainda bebê e hoje ostenta, com o orgulho, o título de cabeleireiro dos roqueiros. Em 2008, ele fez o cabelo dos meninos do NXZero, que o indicou para outras bandas. E não parou mais. Willy recebe todo perfil de cliente em seu salão, mas admite que cuidar das madeixas dos músicos é uma realização. É que tem a ver com meu próprio estilo. Se me pedem um corte com referência musical, eu conheço bem, pois compartilho do mesmo gosto, conta o cabeleireiro, que é autodidata e cortava o próprio cabelo quando criança. Eu copiava o corte do Arnaldo Antunes, recorda. Ele revela que os jovens músicos se importam, sim, com tendência. Das franjas e cortes geométricos, agora, eles têm aderido a uma de suas referências preferidas. É o raspado na lateral, com volume no topo da cabeça. Penso na fase militar do Elvis (Presley). As bandas de rock britânicas usam muito, diz ele, que, no ano passado, ficou em segundo lugar na versão brasileira do reality Por um Fio, do GNT. Willy acabou se casando com a vencedora do programa, Gabriela Gusso, e, em agosto deste ano, eles montaram o salão WM Vintage Club, em Sorocaba. Gabriela também segue esse estilo. Aliás, ela faz o cabelo do Lobão, orgulha-se.

O Mágico dos sets

Ainda pequeno, duas ou três vezes ao dia, Martín Macías Trujillo (nascido em Guadalupe, no México), hoje com 48 anos, folheava o quadrinho Hermelinda Linda. A família não aprovava a leitura, mas ele gostava de analisar as pernas e os braços rechonchudos da bruxa do HQ. O tempo passou e o hobby de criança transformou-se em trabalho. Hoje, após ter estudado artes no México e há 15 anos no Brasil, ele virou referência em maquiagem e caracterização no mercado de filmes nacionais.
Após 45 produções – ele estreou em Guerra de Canudos (1996), de Sérgio Rezende -, Martín fez amigos como Fernanda Montenegro e Wagner Moura. Virou queridinho no meio. Para Andrucha Waddington, providenciou em um dia perucas para Casa de Areia (2005). Para José Padilha, fez corpos carbonizados e cabeças decepadas para Tropa de Elite 2 (2010). A lista é extensa. Ele se diverte. Adoro trabalhar com ferimentos, partes de corpos, sangue…, diz o craque em silicones, próteses e espumas de látex.