Atletas brasileiros que treinam e estudam nos Estados Unidos estão escolhendo cursos universitários distantes da prática esportiva, como Educação Física e Fisioterapia. As opções vão desde Relações Internacionais, Ciências Cognitivas, Estatística, Geologia e até Criminologia. Nem sempre esses cursos são vistos como plano B ao atletismo, mas uma aposta nos interesses e habilidades pessoais e na busca de conhecimento.

Ciências Cognitivas, curso multidisciplinar que inclui filosofia, línguas, neurociência, antropologia e inteligência artificial, oferecido na Universidade da Geórgia, em Athens, foi a opção de Alencar Chagas, recordista brasileiro sub-23 do lançamento do martelo com 70,21 metros.

Nesse curso tão amplo, suas áreas de maior interesse são a inteligência artificial e a programação de softwares. “Ainda não tenho certeza se continuo no atletismo ou se tento em outra área. Posso arrumar um emprego meio período e continuar sendo atleta também. Vou tentar não deixar meu curso de lado”, diz o atleta de 23 anos, que vive lá desde 2019.

Alan Christian de Falchi, líder do ranking brasileiro do lançamento do disco, com 60,57m, trocou Educação Física por Estudos Internacionais na Universidade do Alabama pela facilidade para aprender idiomas.

Um treinador aconselhou que ele investisse em outra área porque já tinha experiência de 10 anos nos treinos de forças. Seria bom diversificar o conhecimento. Fluente em português, inglês e espanhol, o ex-atleta do ABC paulista analisa hoje os hábitos de outros povos, conexões geopolíticas e culturais entre os países e também com regiões americanas. No seu caso, o curso é realmente um plano B. “Minhas metas são disputar o campeonato nacional e me classificar para o Mundial de Budapeste. Se não der certo, pretendo usar meu diploma e trabalhar na área”, diz.

A catarinense Micaela Rosa de Mello, de 22 anos, mudou-se em agosto do ano passado para a Universidade de Washington a fim de estudar Justiça Criminal e Criminologia. Embora a nomenclatura sugira o estudo de crimes, técnicas de investigação e formas de prevenção da ação dos bandidos, a catarinense explica que o curso é similar ao Direito das faculdades brasileiras. Ela estuda, basicamente, as leis americanas. “Não pretendo ser advogada ou juíza. Estou estudando algo que me interessa. Quero ser uma atleta profissional”, afirma a primeira colocada do ranking brasileiro nos 100m com barreiras (12s98).

E a lista de cursos incomuns vai adiante. Aos 21 anos, Caio de Almeida Alves Teixeira, que compete nos 400m com barreiras e foi atleta do Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa em São Paulo, escolheu Geologia em South Plains College, na cidade de Levelland, no Texas. Vitória Sena Alves, atleta de 23 anos dos 100m com barreiras, está se formando em Psicologia na Universidade do Kansas.

As vantagens de estudar e treinar nos Estados Unidos são inúmeras, na visão dos brasileiros. Elas vão desde a possibilidade de treinar e estudar no mesmo lugar – Alan conta que levava duas horas para se deslocar quando morava em São Paulo – até a valorização do atleta. “Se eu precisar de um disco ou uma sapatilha, a universidade compra. Não era assim no Brasil. Eu precisava comprar tudo”, diz. “Aqui, eles fazem com que o atleta se sinta especial. Somos reconhecidos em todos os lugares”, concorda Micaela.

Mas também há desafios. O maior deles é a saudade da família, seguido das dificuldades de integração e também a carga puxada de estudos. A maioria conta que acorda às 7h para estudar, treina no meio do dia e só encerra o dia à 1h da manhã, depois de fazer a lição de casa. Para manter a bolsa de estudos, as boas marcas não são suficientes. Também é preciso ser bom aluno.

Escolher o país americano para unir esporte e educação é uma tradição no atletismo brasileiro. Veteranos como Joaquim Cruz, Agberto Guimarães, Pedro Chiamulera e Pedro Ferreira da Silva Filho uniram o bom desempenho nas pistas à possibilidade de bolsa de estudos nas concorridas universidades de lá. “Competi com adversários da Olimpíada no colegial”, conta Joaquim Cruz, campeão olímpico dos 800m em Los Angeles-1984. “Conviver com atletas estrangeiros é muito importante para os atletas universitários”, afirma o atual funcionário do Comitê Olímpico dos EUA.

Cruz começou a estudar línguas românicas em Oregon, mas não concluiu por problemas médicos, e acabou se formando em Educação Física em San Diego. “Praticar esporte e estudar ao mesmo tempo são uma oportunidade de vida. Muitos atletas vêm de uma vida simples no Brasil e entram num mundo extraordinário, de alto rendimento. Ser bom estudante e bom atleta é a receita”, diz.

Agberto Guimarães, campeão pan-americano nos 800m e dos 1.500m em Caracas-1983, é diretor de Operações no Comitê Organizador dos Jogos de Santiago, no Chile, que serão realizados em 2023. Nos Estados Unidos, ele cursou francês, fotografia e Educação Física. “As universidades oferecem bolsas de estudos para atletas do mundo todo, dependendo dos resultados escolares. Espero que no Brasil convênios entre clubes e universidades ampliem essas conquistas”.

SAIBA COMO TREINAR E ESTUDAR NOS ESTADOS UNIDOS

Cursos de graduação em faculdades americanas mais simples custam de US$ 12 mil a 20 mil (R$ 64 mil a R$ 104 mil). Já as universidades mais conceituadas chegam a cobrar até US$ 30 mil (R$ 156 mil). Esses valores já incluem mensalidades, alimentação e hospedagem no campus.

“A boa notícia é que sempre existe uma grande possibilidade de conseguir bolsas de estudo seja por comprovação de renda, desempenho acadêmico diferenciado ou ainda algum programa cultural americano. A maioria das bolsas de estudo para estudantes é obtida através de desempenho esportivo”, afirma Marcelo Gondim, advogado especializado em imigração para os EUA com mais de 20 anos de experiência em processos de green card e vistos americanos.

O especialista tira outras dúvidas sobre a melhor forma de treinar e estudar nos EUA:

Quais os primeiros passos para treinar nos Estados Unidos?

Atletas profissionais que querem estudar nos EUA enquanto treinam ou disputam campeonatos em suas modalidades esportivas geralmente já chegam ao país por convite da própria universidade ou de algum sponsor (patrocinador).

E os amadores?

Os atletas amadores devem pesquisar onde estão as melhores oportunidades de bolsas de estudo para atletas. O governo americano disponibiliza várias oportunidades para estrangeiros através de programas como o “Jovens Embaixadores” e o “Education USA”.

É preciso saber inglês?

Se for para fazer uma faculdade (curso de graduação), saber inglês em nível avançado será sim fundamental até mesmo pra passar nos testes de admissão. Já para cursos vocacionais, intercâmbio ou cursos de idioma, o domínio do inglês não é obrigatório.

Que tipo de visto é concedido? Ele é válido por quanto tempo?

Os vistos para estudantes mais frequentes são o F-1 (estudo em geral) e o J-1 (intercâmbio). A validade destes vistos estará ligada à duração do curso, ou seja, de seis meses (no caso de muitos cursos de inglês) até quatro anos (graduações completas). Já para o atleta profissional que chega aos EUA apenas para participar de uma competição curta ou que ficará um período apenas treinando no país existem os vistos P e O. Estes vistos não exigem que o atleta também estude, podendo se dedicar exclusivamente ao esporte.