FOLHAPRESS – Não é de desprezar a escolha de Barry Jenkins: após ganhar o Oscar em 2016 por “Moonlight”, trocou a afetação estilística tão marcante naquele filme por um drama realista sobre a condição negra no século passado em “Se a Rua Beale Falasse”.

Não quer dizer que as coisas tenham mudado tanto assim, mas que sua base é um romance de James Baldwin. E o que temos ali é a vida de uma família, a mais normal possível, onde dois jovens, Fonny e Tish, amigos de infância que se descobrem apaixonados um pelo outro, tentam se estabelecer como um casal.

Na vida dos negros existem sempre obstáculos que só muita força permite contornar. Fonny, por exemplo, deixa sua escola técnica e busca se estabelecer como escultor. Tish é vendedora de perfumes em uma loja. Ela está grávida do rapaz, quando este é preso por um estupro que visivelmente não cometeu.

O assunto hoje é razoavelmente conhecido, o que não significa que o racismo tenha desaparecido. O drama trata de observar como esse racismo pressiona a vida cotidiana das pessoas a partir do momento em que Fonny é preso.

Em certo sentido, temos então um melodrama social; em outro, um melodrama existencial. O fato faz irromper uma série de questões, da religiosidade fanática em que alguns se abrigam ao enfrentamento estoico dos fatos por outros.

No filme, a centralidade dada ao drama do casal (Tish, por exemplo, fica mãe solteira de um marido presidiário) impõe-se e de certa forma faz desabar o delicado equilíbrio entre os assuntos que perpassam “Rua Beale”, que se torna em inúmeros momentos um conjunto frouxo, chegando a derivar para a monotonia.

Por vezes, certas cenas são perdidas por direção inconstante dos atores (caso da reunião das famílias de Fonny e Tish). Em outras, informações repetem-se com insistência – parece de vez quando uma novela de TV.

Desses conjunto um tanto pálido sobressaem-se, no entanto, alguns momentos fortes, como o encontro entre Fonny e seu amigo Daniel, em que este explica as circunstâncias absurdas de sua prisão (ele chega, aliás, a referir-se a “Malcolm”, referência óbvia ao líder negro radical Malcolm X, nome que se busca o tanto quanto possível apagar da história da luta dos negros por direitos civis). E, embora esse seja um momento dramático da ação, Jenkins o trata com a leveza possível.

Outra sequência muito bem resolvida é o momento em que Tish é assediada por um branco numa quitanda, o que se resolve com a intervenção de Fonny e seu imediato confronto com o policial branco. A notar aqui, também, o belo trabalho de casting: o ator que faz o policial tem uma aparição rápida, porém marcante (além de decisiva para o desenvolvimento da trama).

Jenkins paga um preço, é certo, por mostrar a vida dos negros em Nova York, a terrível corda bamba em que são forçados a existir, o tremendo estoicismo com que buscam viver. Esse preço vem tabelado no excesso de dramaticidade convencional que se mostra em vários momentos, na pouca propensão à síntese, na solenidade, na direção irregular dos atores: tudo isso que traduz a expressão “mão pesada”.

“Rua Beale” é um filme digno. Por seu tema ainda audaz, pelos bons momentos, pelo final sem concessões pode ser bem visto uma vez. A revisão será mais difícil.

SE A RUA BEALE FALASSE

PRODUÇÃO EUA, 2018

DIREÇÃO Barry Jenkins

ELENCO KiKi Layne, Stephan James, Regina King

CLASSIFICAÇÃO 14 anos

AVALIAÇÃO Regula