SÃO PAULO, SP – A Unctad, organismo das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, alertou nesta quarta-feira (25) para as consequências que a decisão da Suprema Corte dos EUA sobre a dívida da Argentina terá em todo sistema financeiro.
Em ensaio publicado em seu site, a Unctad disse que a decisão ordenando a Argentina a pagar credores que não aceitaram a reestruturação da dívida deverá repercutir além das fronteiros dos dois países.
De acordo com a decisão, de 16 de junho, o país tem que pagar US$ 1,3 bilhão.
Segundo o organismo da ONU, essa sentença, juntamente com a decisão que obriga as instituições financeiras dos EUA a entregar para os credores informações sobre os ativos da Argentina em todo mundo, pode abrir as portas para outros casos semelhantes. Isso, diz, depende das interpretações dadas por tribunais de diferentes países.
REESTRUTURAÇÃO DA DÍVIDA
Para a Unctad, as decisões estabelecem precedentes legais que poderiam ter “profundas consequências” para o sistema financeiro internacional por fazer a reestruturação de dívidas ainda mais difícil, por forçar instituições de serviço financeiro a providenciar informações confidenciais sobre endividamento soberano e por erodir a imunidade soberana.
Nesse contexto “caótico”, diz o organismo, a formulação de regras e princípios globais que orientem a reestruturação de dívidas soberanas têm se tornado muito importante.
Por fim, a Unctad diz que tem sido uma defensora de longa data dos mecanismos de exercício da dívida soberana e está atualmente trabalhando em um projeto para esclarecer o tema.
ENTENDA O CASO
Em 2001, durante uma grave crise econômica, a Argentina parou de pagar suas dívidas.
Parte delas era na forma de títulos –papéis que o governo oferece aos investidores estrangeiros para se financiar.
Em 2005 e em 2010, a Argentina procurou os detentores dos títulos e ofereceu valores menores e novos prazos de pagamento. A maioria deles –que tinha 92% dos papéis– aceitou os termos, o que significava receber menos.
Houve vários tipos de critérios na negociação, incluindo ajustes que levam em conta o crescimento do PIB e índices de inflação. Na média, quem aceitou a reestruturação ficou com 35% do valor que inicialmente seria pago.
Os que não aceitaram o acordo e detinham 8% dos papéis venderam os títulos a fundos de investimentos conhecidos como “abutres”. Eles compram dívidas não honradas por preços baixos, apostando que conseguiriam cobrar o valor integral do devedor.
O fundo “abutre” NML, das Ilhas Cayman, fez justamente isso –comprou títulos de dívida da Argentina após o calote de 2001 e entrou na Justiça dos Estados Unidos para receber o valor original.
O NML argumentou que os títulos foram emitidos com uma cláusula, chamada “pari passu”, que garante tratamento igual a todos os credores. Por essa cláusula, o governo Cristina Kirchner precisaria pagar a todos, incluindo quem não aceitou o acordo.
Na segunda-feira (16), o fundo “abutre” saiu-se vencedor na Suprema Corte americana.
Segundo a decisão, a Argentina tem que pagar o valor integral mais juros e multas: US$ 1,3 bilhão para o NML.
A decisão pode se estender para o restante dos credores que não aceitaram a renegociação, o que pode elevar essa dívida para US$ 15 bilhões. O problema é que o governo só tem US$ 28 bilhões de reservas internacionais.
O governo pode tentar chegar a um acordo com os credores com que está em litígio.
Mas, ao fazer isso, coloca em risco o acerto feito com os detentores de papéis que aceitaram receber menos. Uma cláusula no contrato da dívida reestruturada diz que esses credores podem optar por uma oferta melhor que for oferecida a outros.
Essa cláusula tem validade até o fim do ano.
No próximo dia 30 vence mais uma parcela da dívida já renegociada pelo país. No entanto, o Ministério da Economia disse que poderá não cumprir o prazo porque o dinheiro pode ser confiscado pela Justiça dos EUA para pagar os fundos “abutres”.
A Argentina também teme que seus bens no exterior, como navios, sejam apreendidos pela Justiça em prol do fundo NML e de outros credores.