FOLHAPRESS – Jeffrey Aspern foi um poeta romântico, morto prematuramente e dono de uma obra de valor incalculável. Tanto que o editor Morton Vint (Jonathan Rhys Meyer) dispõe-se a enfrentar a retiradíssima Juliana Bordereau (Vanessa Redgrave), que foi em remoto passado musa e amante do célebre poeta, na tentativa de pôr as mãos em preciosos textos inéditos e guardados a sete chaves pela sra. Bordereau. Quem ajuda o editor na difícil aproximação é Tina (Joely Richardson), sobrinha da sra. Bordereau.


Digamos para começar que a trama se passa na Veneza do fim do século 19. Um tempo em que a cidade abrigava palácios suntuosos, aristocratas, pontes desertas, canais silenciosos. Ou seja, o oposto de hoje. Não deixa de ser uma atração do filme ver essa Veneza com a qual os turistas sonham e que o turismo mesmo estraçalhou. Infelizmente, talvez seja a única.


Para começar, e apenas em termos de intriga: tudo se passa em torno da posse e da possibilidade de ver (e se possível editar) os papéis que a sra. Bordereau deseja que permaneçam secretos. É o que Hitchcock chamaria de promissor McGuffin: algo que interessa muito aos personagens, mas nada ao espectador.


Espera-se que outros aspectos da trama possam dizer respeito ao espectador. O que mais pode nos interessar é Tina, mulher de meia-idade cuja beleza incontestável murchou em decorrência de sua absoluta dedicação (mais exatamente: submissão) à tia. São seus secretos desejos, arrependimentos, recalque por uma vida perdida na dedicação à mítica tia.


Tina projeta seus desejos na figura do sr. Vint. Mas ela e seu drama logo passam a um discreto segundo plano. Vint parece mais um vampiro interessado em tocar nos inéditos de Aspern como se aquilo fosse o sangue de uma virgem. É movido por sua ambição empreendedora, é tudo: visa o lucro da custosa operação (sair dos Estados Unidos, instalar-se em Veneza etc.). O interesse cultural da possível publicação é meramente acessório.


Ora, a sra. Bordereau, para começar, considera insuportavelmente decadente tudo que não diga respeito a seus tempos de juventude. Inclusive Vint, é claro. Fechada em sua sala, imobilizada em uma cadeira de rodas, parece receber Vint apenas para melhor humilhá-lo. E, claro, para pôr em dia suas memórias, que aparecem em flashback de tempos em tempos e, por vezes, lembra publicidade de sabonete. Mas, que importa, ela serve para mostrar como o poeta era belo e charmoso e a sra. Bordereau idem.


Se o tempo preservou na sra. Bordereau algo de sua antiga beleza, interior e exterior, não saberemos jamais, já que todo o tempo Vanessa Redgrave permanece escondido, e apenas vez por outra vislumbramos seu rosto. É uma mulher que não quer ser vista nem quer ver o mundo novo que se anuncia naquele momento. Mas, nesse caso, por que miss Redgrave no papel da aristocrata?


Para resumir, a estreia do francês Julien Landais na direção enfatiza o desnecessário, passa batida pelo relevante, desperdiça Vanessa Redgrave e nem ao menos explora características das duas épocas concernidas. Em definitivo, está longe de ser feliz, em especial num ano que, entre filmes brasileiros e estrangeiros, tem sido até aqui bem animador.


OS PAPEIS DE ASPERN (THE ASPERN PAPERS)


PRODUÇÃO Alemanha, 2018


DIREÇÃO Julien Landais


ELENCO Jonathan Rhys Meyers, Vanessa Redgrave, Joely Richardson


CLASSIFICAÇÃO 14 anos


AVALIAÇÃO Ruim