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ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Como parte das comemorações do centenário da morte do escultor Auguste Rodin, que ocorre neste ano, o veterano Jacques Doillon recebeu a encomenda de um documentário sobre o artista. Decidiu-se pela ficção, argumentando que Rodin deixou poucos documentos escritos.
Mas não se trata de uma cinebiografia ao pé da letra. Doillon mostra apenas alguns anos da vida do escultor -a partir de 1880, quando tinha 40 anos-, e privilegia fundamentalmente o trabalho, a lida com a obra, com a matéria. Isso já está presente na primeira cena. A vida pessoal fica em segundo plano, e o conturbado contexto artístico e político da época não é objeto de grande atenção.
Vincent Lindon encarna um Rodin satisfatório na caracterização de traços importantes do escultor como a introspecção, a angústia e a obsessão. O ator já não se sai tão também na composição da gestualidade ao trabalhar a argila e o gesso, assim como no olhar que dirige ao modelo e à obra que executa -sempre o mesmo. As falas imaginadas por Doillon, como “sou apenas um operário que sabe ler”, soam muitas vezes um tanto pomposas.
O filme destaca o processo de criação do monumento a Balzac, obra revolucionária que rompeu com o academicismo reinante, cuja elaboração absorveu e atormentou Rodin durante vários anos. Resultado de dezenas de estudos, o nu que apresentou aos que fizeram a encomenda foi violentamente repelido. A versão final, reelaborada pelo artista -que evoca a força do escritor ao invés de representá-lo de modo realista- também foi objeto de uma enxurrada de críticas.
A relação com Camille Claudel (Izïa Higelin), discípula, amante e depois concorrente -que já rendeu outros filmes- é mostrada aqui principalmente em sua interface com a criação. Doillon não se furta a mostrar as promessas de casamento jamais cumpridas, a rivalidade com a rústica Rose Beuret (Séverine Caneele), mãe de seu filho, e companheira de toda a vida, mas nada disso é aprofundado.
O que sobressai é a cumplicidade artística com Claudel. Até os ímpetos eróticos de Rodin ao lado dela servem para caracterizar o fascínio do escultor pelo corpo feminino, que exaltou inúmeras vezes em sua obra em representações cheias de sensualidade.
A opção pela ênfase no processo de trabalho do artista é feliz e o retrato de Doillon nunca cai na condescendência, mas sua mise-en-scène está em outro diapasão. A iluminação que valoriza a textura das esculturas e alguns movimentos de câmera fluidos e elegantes são requintes que não conseguem esconder o convencionalismo e a frieza da forma. Criador ardente e inovador, Rodin merecia algo mais ousado, capaz de levar o filme a outro patamar.

RODIN (bom)
DIREÇÃO Jacques Doillon
ELENCO Vincent Lindon, Izïa Higelin, Séverine Caneele
PRODUÇÃO França/Bélgica, 2017, 12 anos