Pierre Bourdieu, um dos mais importantes sociólogos do século 20, considerava que gosto é perfeitamente discutível, pois temos, como seres sociais, condicionamentos materiais e simbólicos agindo de forma complexa na formação daquilo que denominamos gosto.

A composição de poder econômico, posição social e escolaridade interferem decisivamente nas práticas culturais, sendo resultados de um feixe de condições específicas de socialização; da análise de atitudes e comportamentos dos grupos de convivência podemos apreender como se efetiva a composição de gosto dos indivíduos que dele fazem parte, e ter melhor compreensão das vantagens e desvantagens, materiais ou simbólicas, que assumem nas suas comunidades.

Práticas culturais normalmente são determinadas pelas trajetórias educativas e socializadoras das pessoas, e o gosto cultural termina por ser o resultante do processo educacional efetivado pela família em conjunto com a escola, mais do que fruto de certa sensibilidade que teríamos ao nascer.

Há um aprendizado precoce, efetuado desde a infância na própria família, e que é prolongado e completado pelo aprendizado escolar, embora hoje se admita a existência de outros espaços capazes de propiciar e legitimar o gosto cultural: as novas mídias, e o tipo específico de convivência permitido por elas (WhatsApp, Facebook, Twitter, etc…), que permitem uma gama complexa de referências culturais, partilhando com a escola e a família a formação do gosto em quase todos os segmentos sociais.

No entanto, ainda é consenso que família e escola, juntas, são preponderantes. Infelizmente, e nisso podemos ver refletidas as profundas desigualdades da sociedade brasileira, nem todas as famílias possuem cultura e letramento indispensáveis para apropriação e identidade com os ensinamentos escolares.

Algumas instituições recebem alunos que apresentam maior facilidade de adaptação ao sistema educativo, por haver similaridade entre a cultura escolar e a cultura de seu grupo social de origem, já que este dispõe previamente dos conhecimentos disponibilizados pela escola, e que por ela serão aprofundados.

Outros estudantes estão em profundo descompasso entre a competência cultural solicitada pela escola e aquela obtida no ambiente familiar, provocando impacto negativo na possibilidade de sua continuidade de estudos, ou pelo menos de seu perfeito aproveitamento, o que agrava e perpetua esta disparidade.

O sistema de ensino em princípio deveria agir de forma democrática, tratando a todos igualmente, porém termina por cobrar de todos aquilo que apenas alguns possuem: familiaridade com as normas cultas e a cultura consagrada, tendendo a limitar acesso e plena participação dos indivíduos pertencentes às famílias menos escolarizadas.

Estudiosos da educação têm evidências de que as relações educativas constituem parte inerente do processo comunicativo, e o conjunto das regras culturais disponibilizadas dentro de uma escola, em particular aquelas envolvendo as artes — em suas várias manifestações —, literatura, e outras modalidades culturais, ficam na dependência da posse prévia dos códigos de apreciação por parte de seu alunado.

Sensibilidade estética, capacidade de assimilação de um objeto artístico, desenvolvimento pleno do letramento e apreciação de obras literárias, dependem fundamentalmente do domínio prévio de alguns princípios compartilhados no ambiente familiar desde as primeiras histórias infantis contadas, até seu tipo de lazer, contemplando viagens, visitas a museus, espetáculos musicais.

Tudo isso determina o chamado gosto cultural dos indivíduos, o que num país que ainda não venceu o analfabetismo e a imensa desigualdade, tem sido difícil, embora necessário, discutir.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.