Neste fim de semana, a cantora Adriana Calcanhotto traz para São Paulo a recém-lançada turnê Errante, baseada no álbum de mesmo nome. Os shows ocorrem nesta quinta, 27, na sexta-feira, 28, e no sábado, 29, no Sesc Pompeia. Os ingressos estão esgotados para as três datas.

No setlist do show, a cantora incluiu as 11 canções inéditas do álbum – algo raro, já que o público e muitos artistas costumam apostar em um roteiro repleto de sucessos.

Além de novas como Prova dos Nove, Quem Te Disse?, Era Isso o Amor?, Lovely e Pra Lhe Dizer, Adriana canta Beijo Sem, Vambora, Maresia e Naquela Estação. Há ainda espaço para um pequeno set para relembrar a miniturnê Gal: Coisas Sagradas Permanecem, que ela apresentou entre abril e maio deste ano, representada pelas músicas Esquadros e Livre do Amor.

Antes de chegar a São Paulo, Adriana apresentou Errante em dez cidades portuguesas, além de Porto Alegre, sua terra natal, e Ribeirão Preto, no interior paulista. No palco, Adriana está acompanhada por uma banda formada pelos músicos Pedro de Sá (guitarra), Domenico Lancellotti (bateria), Guto Wirtti (baixo acústico), Jorge Continentino (saxofone, flauta e teclados), Diogo Gomes (trompete e flugelhorn) e Marlon Caldeira Sette (trombone) – e não toca violão.

Em conversa com o Estadão, Adriana contou mais a respeito do show, relembrou como tomou contato com a canção Naquela Estação, um de seus primeiros sucessos, e sobre como se relaciona com as gerações atuais da música brasileira.

Errante estreou em Portugal e, agora, começou sua trajetória no Brasil. Há diferença entre os países?

Em Portugal há códigos diferentes. Por isso, para a estreia no Brasil, eu senti a necessidade de ensaiar novamente e ajustar o setlist. Lá, eu cantei Corre o Munda (do álbum Só, de 2020) que aqui eu substituí por Livre do Amor, para ter um pedacinho do show que fiz em homenagem a Gal Costa – os fãs ficaram com vontade de ver e eu de fazer (a turnê teve apenas seis shows). Também incluí Jamais Admitirei (do álbum Errante) que eu não sei por que havia ficado de fora em Portugal. E, engraçado, talvez por ter sido a canção que eu não coloquei, era a que as pessoas mais pediam. Isso significa que agora o show tem as 11 canções do disco, o que não é algo fácil de se fazer.

E na recepção do show? Também há diferenças entre os países?

Só mesmo deste código. Quando canto Corre o Munda (a canção que fala sobre Coimbra e o antigo nome do rio Mondego) o público português entende. Aqui, eu teria que fazer uma pausa no show para explicar. E eu quase não falo nesse show. Ele ficou muito fluído. Não tenho vontade de falar. Parece que eu vou estragar o fluxo, sabe?. Só me dirijo ao público para falar sobre a homenagem a Gal.

Atualmente, levar todas as canções inéditas de um disco para a turnê é quase algo de vanguarda, em um tempo em que o público quer ouvir sucessos…

As pessoas já conhecem as canções do disco. Em Portugal, elas cantaram as canções novas, estão familiarizadas com elas. As outras músicas, que fazem parte da minha trajetória e foram sucessos, têm a ver com o tema do disco, que é ser errante, estar em movimento. Esquadros é um grande exemplo: “eu ando pelo mundo”.

É libertador poder fazer um show assim, sem obrigatoriedade de colocar tantos sucessos?

Eu fiz isso no Micróbio do Samba. As canções que entraram no show não eram hits meus. Tinham músicas, por exemplo, de Paulinho da Viola. De vez em quando dá para fazer isso.

Você conseguiu levar a sonoridade do disco para o palco, não?

Todo show de disco tem esse desafio. Nem sempre dá para ter todos os instrumentos. O bacana da estrada é ser prático. Nesse, foi mais fácil do que pensei. Tem o pessoal do sopro, que faz o que eu faria no violão. Por isso, não toco violão nesse show.

Você tinha dúvidas se iria cantar Livre do Amor, música sua que a Gal lançou, no show que fez homenagem a ela. Agora, ela aparece também em sua nova turnê. Faça uma balanço sobre como foi cantar Gal e sobre essa canção.

Foi tudo muito incrível. Pude estudar Gal. A trajetória, a técnica, a postura… Eu achava meio cabotino, entre 30 canções, colocar duas minhas em um show sobre Gal. Mas o (produtor) Marcus Preto me convenceu. E, de fato, quando eu cantava Livre do Amor, acontecia algo. Foi uma canção que fiz para ela, nunca gravei. É dela. No Errante fazemos essa música mais próxima do arranjo com que a Gal gravou.

E Gal gravou como você a tinha pensado?

Ela fez muito mais do que eu imaginava. Gal corrigiu alguns detalhes de prosódia do projeto de canção que enviei a ela, em voz e violão. Ela ficou alguns anos com essa música. Quando nos encontrávamos, assim, esporadicamente, ela me dizia: “eu não gravei ainda, mas vou gravar”. Ela dizia “aquela canção” e fazia um gesto aberto com as mãos, falando sobre os versos “senhora dos travesseiros”.

Nesse show Errante, você canta Naquela Estação, música de Caetano Veloso, João Donato e Ronaldo Bastos, um de seus primeiros sucessos. Você se lembra como ela chegou até você (Adriana a lançou no disco Enguiço, de 1990)?

Foi o Ronaldo Bastos que foi à minha casa e levou uma fita com várias canções. Ele me mostrou a letra datilografada e, na fita, a melodia tocada pelo João Donato. Na gravação, o Donato cantava apenas alguns trechos da letra. Ele cantava, parava, acendia um cigarro, falava com alguém, depois voltava a cantar. Lembro que tive que montar as frases, juntar com a letra. Quando entendi letra e melodia, fiquei apaixonada! Era algo muito bonitinho. Caetano fez todo o início a o final da letra. Estava faltando algo que os ligassem, que foi a parte que o Ronaldo fez. Ronaldo viabilizou a canção. Foi um sucesso.

E, depois, você corrigiu esse errinho que o Donato apontou?

Foi bem na época do confisco feito pelo (ex-presidente) Fernando Collor. Não pude fazer o show com banda na época, só com voz e violão. Então, fiz uma adaptação harmônica. Agora, com essa banda no palco, está tudo como tinha que ser. Donato iria adorar. Naquela Estação cai feio uma luva na turnê do Errante.

Donato, Tom Jobim, Johnny Alf e, depois, Caetano, Gilberto Gil, Paulinho da Viola e tantos outros da chamada MPB são fortes influências na sua geração. Atualmente, o sertanejo pop, o funk e o trap lideram as paradas de música. Acha que sua geração será influência para eles, de alguma forma, no futuro?

Eu não costumo fazer esse tipo de especulação. A música sertaneja, rural, sempre foi mais consumida. Isso, então, não saiu tanto do lugar. A qualidade é uma coisa, a quantidade é outra. Não vejo isso misturado.

Você sempre se mostrou aberta. Gravou, por exemplo, Fico Assim Sem Você, que originalmente é um funk…

Eu sou ouvinte de canção. Se ela me arrebata, e pode ser só a mim, eu gravo. Mas, às vezes, esse arrebatamento não atinge só a mim, como nos casos de Fico Assim Sem Você e Devolva-me. E a grande graça é que a gente nunca sabe quando isso vai acontecer. O Devolva-me era quase um fetiche – eu adorava quando era criança – de uma lista de músicas que eu ouvia na rádio. Era a minha canção. Eu pensava que só eu a sabia. Quando gravei, virou um sucesso. Porém, ela não foi um sucesso porque eu a gravei. Ela já era um sucesso, maravilhosa, e por isso eu a ouvi e por isso eu a gravei.