A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) notificou o Brasil de que abriu investigações sobre o assassinato, sob tortura, do jornalista Vladimir Herzog, ocorrido no DOI-Codi (estrutura de repressão política da ditadura) de São Paulo em 1975. A denúncia, feita pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), pela Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FIDDH), pelo Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e pelo Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, foi entregue ao governo brasileiro na última terça-feira. O País agora terá prazo para se defender; se suas explicações forem consideradas insatisfatórias, será processado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em San José, na Costa Rica.
Desta forma, começa a repetir-se um roteiro que o Brasil já conhece. Em dezembro de 2010, o País foi condenado pela Corte sob a acusação de não ter providenciado justiça pelas violações de direitos humanos ocorridas durante a repressão à Guerrilha do Araguaia (1972-1975). O Brasil foi considerado culpado de não ter investigado e punido os responsáveis por tortura, desaparecimento forçado e assassinato de prisioneiros, muitos ligados ao movimento armado do Partido Comunista do Brasil (PC do B). O combate aos guerrilheiros foi feito pelo Exército, que nega ter cometido excessos. A condenação o caso Araguaia, entre outras ações, inclui pagamento de indenizações, devolução dos restos mortais dos desaparecidos e tipificação do crime de desaparecimento forçado, que não existe na legislação brasileira
O caso Herzog envolve outros elementos. O jornalista, nascido na então Iugoslávia e ligado ao (à época clandestino) Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi convocado a depor e se apresentou. Em 25 de outubro de 1975, sua morte por suposto suicídio foi anunciada. Sua foto enforcado foi divulgada como suposta prova de que se matara, mas a altura e posição em que se encontrava demonstravam ser impossível que tivesse cometido suicídio. Além disso, a nota anunciou que o jornalista se matara com uma gravata, mas o presumido enforcamento ocorrera com um cinto, peça que os prisioneiros não podiam reter. Dois outros prisioneiros, George Duque Estrada e Rodolfo Konder, confirmaram que Vlado, como era conhecido, fora brutalmente espancado.
Ainda na ditadura, um inquérito policial-militar sustentou a versão do suicídio. Um processo movido pela família de Herzog na Justiça Federal reconheceu que a União foi responsável pela morte do jornalista. Mas as tentativas de reabrir o caso não tiveram sucesso. Em 1992, o Ministério Público do Estado de São Paulo requisitou a abertura de inquérito para apurar as circunstâncias da morte de Herzog, mas o Tribunal de Justiça considerou que a Lei de Anistia impedia as investigações. Mais recentemente, em 2008, houve nova tentativa, mas a iniciativa foi novamente arquivada, sob o argumento de que os crimes tinham prescrito. Esses arquivamentos podem ter caracterizado a recusa do Estado brasileiro a providenciar Justiça, o que pode basear o processo na CIDH. O Brasil é, desde 1992, signatário do Pacto de San José como é conhecida a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969.