Cheguei pela primeira vez a São Paulo numa manhã como essa de hoje. Era janeiro, eu vinha do Rio, de uma semana de calor, sol e juventude e pousei em Congonhas com o céu cinzento e a chuva – que aprendi, anos depois, ser – típica do verão paulistano. Lembro até do cheiro do táxi. Eu tinha 17. A viagem era um presente de minha mãe e meu pai. Não fazia muito sentido, a cidade estava molhada, cheia de trânsito, o caminho era feio do aeroporto até a casa onde ficamos hospedados, mas tive ali uma sensaçãozinha de que São Paulo era meu lugar.

Quatro anos antes, conheci pela primeira vez um paulistano. Um menino do sétimo ano de uma escola horrível que frequentei em Recife. Não lembro do nome dele. Era magrinho, cabelo escuro, uma melancoliazinha charmosa (eu tinha 13), recém-chegado na cidade (como eu), poucos amigos (como eu), falava quase nada (como eu), ia mal nas notas (também como eu), mas não conseguia sentir culpa (adivinha). Fui apaixonada por esse menino do sétimo ao primeiro, embora nunca tenhamos trocado palavra. Não fazia muito sentido, era um entre mais de 10 milhões, mas ele me dava uma sensaçãozinha de que precisava ir a São Paulo. Aquele, provavelmente, era meu lugar.

Aos 22, me inscrevi em um curso com um mês de duração. O curso se daria em um prédio na marginal Pinheiros, pouco elegante que só ela. Era também um janeiro chuvoso. Trouxe na mala o talão de tíquete alimentação do meu noivo da época. Nunca esqueci desse presente, um dos mais generosos que já ganhei. Nós tínhamos acabado de escolher um apartamento onde planejamos morar juntos, minha formatura se daria em março daquele ano, a dele em julho. Nós dois prestes a sermos contratados nos estágios de fim de curso. O mês separados seria a despedida da solteirice, já não queríamos mais a solteirice. A vida na agulha. Não fazia muito sentido, mas quando cruzei a catraca do prédio, tive uma sensaçãozinha de que repetiria o movimento por muitos anos. São Paulo, provavelmente, era meu lugar.

Nem pra formatura eu fui. Voltei em fevereiro pra buscar as roupas e os livros, com um contrato de trabalho em uma mão e sem a aliança na outra. Cheguei numa segunda-feira também como essa. Chovia de fazer barulho. Pousei em Guarulhos, a passagem estava mais barata. Cochilei no ônibus que vinha do aeroporto até o Shopping Eldorado e acordei já na cancela do estacionamento. Um pátio asfaltado, um prédio de extremo mau gosto, as malas pesadas pra carregar, um apartamento vazio, nenhum amigo ou parente e uma vida a ser desenhada do zero. Não fazia muito sentido, mas quando desci a escada do ônibus, tive uma sensaçãozinha de ter chegado em casa. São Paulo, provavelmente, era meu lugar.

Ontem, a noite estava quente, nenhuma nuvem no céu. Da janela do apartamento dava pra contar um tanto de estrela. Na TV, a paulista que imaginei aos 13, onde pisei pela primeira vez aos 17, que andei de cima a baixo aos 22, pra onde volto desde então, aonde sei que vão as minhas filhas na sexta depois da escola, estava cheia de nós, cheia de mim. Faz todo o sentido. Boa semana queridos.

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