O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reunirá com o secretário de Estado americano, Antony Blinken, que chega nesta terça-feira, 20, ao Brasil. A visita, no âmbito da reunião de chanceleres do G-20, no Rio, ocorre em um momento no qual a guerra de Israel contra o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza coloca as diplomacias de Brasil e Estados Unidos, na defensiva, ainda que por motivos distintos.

Do lado brasileiro, Lula contratou uma crise desnecessária com Israel ao comparar o Holocausto com a invasão de Gaza. A declaração ofensiva à memória das vítimas do regime nazista, contra o qual os pracinhas brasileiros lutaram na 2ª Guerra, se soma a uma sequência de falas críticas a Israel desde o ano passado, que contraria a posição clássica da diplomacia brasileira e enfraquecem a própria ambição do petista de se apresentar como um negociador pela paz, já demonstrada nas também polêmicas declarações sobre a guerra na Ucrânia contra a Rússia.

Após a declaração de Lula, o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, convocou o embaixador Frederico Meyer para protestos, com direito a uma visita ao Museu do Holocausto que serviu como reprimenda ao diplomata. Seu chanceler, Israel Katz, declarou o petista persona non grata no país. Em resposta, Lula mandou Meyer retornar ao Brasil para consultas, um sinal de crise na relação bilateral.

Lula voltou à presidência com um programa de política externa que prometia trazer o Brasil de volta à arena internacional, depois de quatro anos da diplomacia desastrosa do bolsonarismo. A viagem à COP (convenção climática da ONU) de Sharm el-Sheikh, ainda antes da posse, sinalizou um presidente que pretendia fazer da questão climática o cartão de visitas.

Uma vez no Planalto, no entanto, Lula fez uma série de escolhas estrategicamente questionáveis: a reabilitação política do ditador Nicolás Maduro em Brasília, os acenos a Vladimir Putin após o G-20 e, agora, a evocação do Holocausto para criticar Israel.

Biden em maus lençóis

Do lado americano, a Casa Branca de Blinken e Joe Biden, enfrenta uma outra crise que também envolve a guerra em Gaza. O apoio inabalável americano a Israel provocou fortes críticas da base do Partido Democrata, sobretudo dos eleitores mais jovens, que foram cruciais para a vitória de Biden contra Trump quatro anos atrás. Com uma popularidade para lá de irregular, o presidente se viu pressionado politicamente a fazer mais para conter a ofensiva israelense em Gaza, que já matou mais de 30 mil pessoas, a maioria mulheres e crianças.

Com a possível revanche contra Trump prometendo ser apertada, sobretudo no colégio eleitoral, Biden anda numa linha tênue. Não pode perder o tradicional apoio dos eleitores judeus nos EUA, mas também precisa dos jovens para eletrizar a campanha nas ruas. Além disso, em Estados como o Michigan, onde a disputa pode ser definida com alguns milhares de votos, a pequena, mas aguerrida comunidade árabe pode custar a Biden a reeleição, caso prefira ficar em casa em vez de votar em novembro.

Com esse cenário em mente, Biden passou a pressionar o premiê de Israel, Binyamin Netanyahu para pôr um fim à operação em Gaza, negociar a libertação dos reféns e abrir caminho para a criação de um Estado palestino, sem abandonar totalmente o aliado, sobretudo no envio de armas.

Nas últimas semanas, Blinken foi despachado para o Oriente Médio para negociar esse acordo, elogiado pela revista Economist e pelo veterano jornalista Thomas Friedman, especialista em Oriente Médio.

Não só não deu certo, como Blinken ouviu de volta de Netanyahu que Israel planeja uma ofensiva contra a cidade de Rafah, lar de cerca de 1,5 milhão de refugiados em Gaza. O risco que essa operação acarrete na expulsão de centenas de milhares de palestinos para o Egito é profundo.

Esse cenário poderia colocar em risco o acordo de paz de Camp David entre o Cairo e Tel-Aviv, além de radicalizar um grupo gigante de civis fragilizados nas mãos de outros grupos radicais que operam no Sinai. Para evitar esse cenário, os americanos agora trabalham na ONU por um cessar-fogo que impeça a invasão de Rafah.

Em meio a essas crises paralelas, o encontro entre Lula e Blinken será marcado também por um elefante cada vez maior na sala das relações bilaterais. Enquanto questões como o clima e relações trabalhistas aproximam o Planalto e a Casa Branca, as relações de Lula com o eixo Pequim-Moscou são vistas com ceticismo em Washington.

A Casa Branca sabe que precisa se reaproximar do Sul Global para conter sobretudo a expansão chinesa. A iniciativa chinesa Cinturão e Rota já conquistou obras em diversos países da Ásia, África e América Latina. Washington trabalha para oferecer uma alternativa.

O tema ambiental aproxima a gestão Biden de Lula. A defesa da democracia feita por enviados do democrata antes da transição de governo também colaborou para afugentar qualquer aventura golpista.

Lula às vezes parece acreditar que o mundo de hoje é o mesmo de 2003, onde era possível ser um ator global sem se comprometer com a potência A ou a potência B. Mas, se seu curso estratégico for este, antiamericanismos antiquados como a defesa de um déspota como Putin e ataques preconceituosos contra Israel apenas afastam o Brasil de potenciais aliados.

É possível criticar possíveis crimes de guerra de Israel em Gaza sem o golpe baixo de mencionar Adolf Hitler. Bebês palestinos em incubadoras morreram ou ficaram órfãos. Hospitais, escolas e mesquitas foram destruídos, e a maior parte da população civil está se deslocando internamente dentro do território palestino conforme Israel atualiza os alvos da operação.

Parte da esquerda brasileira parece ainda estar presa a estereótipos da Guerra Fria. O Hamas e Putin têm muito pouco a ver com as pautas progressistas.