Insatisfeita com a nova norma de mercado no transporte rodoviário interestadual de passageiros, por entender que o texto poderá inviabilizar a concorrência, a Buser buscou envolver o órgão antitruste brasileiro no debate. Em consulta julgada nesta quinta-feira, 7, pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a empresa queria saber do Cade se, sujeitando-se à norma aprovada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), estaria ela própria violando a lei de defesa da concorrência.

A consulta acabou não “conhecida”, no jargão jurídico, pelo entendimento do conselho de que a questão não poderia ser resolvida pelo instrumento da consulta.

Esse ponto técnico não impediu que os conselheiros do órgão antitruste abrissem uma discussão sobre eventuais reflexos das novas regras da ANTT no ambiente concorrencial. O tribunal chegou a debater a possibilidade de enviar o voto do caso e suas considerações à agência reguladora, mas a maioria decidiu pelo não encaminhamento.

Relator do caso, o conselheiro Victor Fernandes leu um longo voto na sessão, onde explicou por que não poderia acolher a consulta feita pela Buser, mas também levantou pontos de atenção sobre a regulamentação feita pela ANTT, aprovada no fim do ano passado, após anos de debate.

As novas regras são criticadas pela Buser e por outros atores do setor que tentam atuar no transporte interestadual, que se queixam principalmente do conceito de viabilidade econômica considerado pela agência para autorizar ou não a atividade de novas empresas nas rotas. A alegação é de que essa norma impõe barreiras a entrantes no mercado, desvirtuando o espírito da regra geral de ‘autorização’, que substituiu o modelo anterior.

Fernandes pontuou que, por não ter autonomia para escolher submeter-se ou não às normas da ANTT, não faria sentido a Buser perguntar ao órgão antitruste se, seguindo as regras, poderia infringir a lei de defesa da concorrência. Na visão do conselheiro, o pano de fundo do movimento da empresa junto ao Cade foi de suscitar um debate no conselho sobre a adequação da norma da agência reguladora. Ele ponderou, contudo, que o Cade não poderia fazer qualquer tipo de revisão sobre a resolução da ANTT dentro deste processo.

Apesar de não aceitar a consulta da Buser, Fernandes aproveitou a oportunidade para sustentar que o Cade pode se envolver mais no debate sobre a nova regulamentação, por meio da “advocacia da concorrência” (qualquer atividade conduzida pela autoridade da concorrência visando à promoção de um ambiente concorrencial saudável).

Em seu voto, ele rememorou que, durante o processo de elaboração da norma da ANTT, órgão do Ministério da Fazenda levantou preocupações sobre o conceito de viabilidade econômica e os efeitos disso para o ingresso de novos competidores no transporte de passageiros. O conselheiro reconheceu, por sua vez, que, em seu papel de defensor da concorrência, o Cade teria uma visão mais estreita sobre o tema, enquanto a agência reguladora precisa observar outras preocupações, como a qualidade do serviço.

“Me parece claramente que a ANTT enfrenta o desafio de navegar a transição de monopólios públicos para o regime de livre mercado”, disse Fernandes.

A complexidade do caso também foi reforçada por outros conselheiros. “Eu entendo o TRIP dentro de um modelo muito complexo, eu entendo a razoabilidade de um regime de transição, e a ANTT está tentando conviver com esses dois mundos, que é difícil de equilibrar. É uma árdua tarefa da ANTT de se equilibrar”, disse Gustavo Augusto, para quem o Cade precisa acompanhar os desdobramentos, partindo da avaliação de que a implementação da resolução da ANTT é mais importante que o próprio texto, “dentro da lógica de uma abertura gradual do mercado”.