Mel tem 7 pares de sapatos. Uma Havaiana clássica, branca e azul; um Converse de cano alto preto de 2020; o preto anterior que já dava até pra jogar fora, mas vai que tem um festival, um protesto, um carnaval, uma tempestade, ou qualquer coisa que peça por um sapato velho; um Nike de correr; um salto pra casamento; uma sandália com o calcanhar coberto e uma bota. Um do ladinho do outro na sapateira do armário, todo mundo olhando pra frente. Sair de lá mesmo só a Havaiana, o Converse de 2020 e o Nike falso, um Air Zoom que ela comprou por R$339 no mercado livre, mas veio bonzinho. A ordem na prateleira é essa que eu falei. E toda vez que ela sai pra correr, Converse Velhinho tem a oportunidade de dar pelo menos um oi pra Salto de Casamento.

Mel corre 3 vezes por semana. Segunda, quarta e sexta. Mas a frequência não torna a vida de Converse Velhinho fácil não. Salto de Casamento é de todos os sapatos, o único que gasta os dias de guarda-roupa embrulhado no saquinho de algodão cru. De todos os sapatos, o único que mereceu um investimento sério de Mel e ela ouviu da avó uma vida inteira que “quem guarda bem, sempre tem”. Se veem pelos buracos da trama do tecido.

Pra ela – é menina, uma sandália de salto de casamento -,  não tem problema nenhum. Nova em folha, até fita crepe na sola Mel coloca pra não estragar. Mas pra ele, embora ainda sustente uma espírito jovial, já é tempo de sacar os óculos até pra ler a letra graúda das etiquetas das roupas dos cabides. A audição também já pelas tantas. Se Sandy – é como Converse Velhinho chama Sandália de Salto de Casamento – dissesse um oi mais pra charmoso, mais pra sussurrado, Chat – é como Sandy chama Converse Velhinho – podia nem ouvir. Se ela virasse o pé direito pro lado contrário do esquerdo, só pra deixar o encontro do cabedal com a vira mais à mostra, era capaz de Chat nem vê. Mas ela não faz nada disso. Pensa em fazer? Ô se pensa. O saquinho inflado feito um balão de festa pra caber esse tanto de pensamento. Mas Sandy se guarda em fita crepe e algodão cru. Quem guarda bem, sempre tem. Nunca chamou Converse Velhinho de Chat, nem prestar esse apelido presta. Mas ela gosta, sabia? Ela se imagina pronunciando devagar, as tiras de couro misturadas com os cadarços encardidos, ai, Chat.

Armário escuro, portas fechadas. Pelas roupas arremessadas na cama hoje cedo, Mel vai viajar. Havaiana, Sandália com o calcanhar coberto, e falso do Nike já fora da prateleira. Converse de 2020 nos pés da menina. Pelo visto é praia. Bota, fechada em luto desde o último inverno em São Paulo que ninguém nem lembra quando foi, prefere não ser mencionada neste texto. De maneira que são só os dois. Se for viagem de mais de 5 dias, Mel vai roubar o saquinho de algodão pra levar as calcinhas e o biquíni. Aí já viu… Continua na próxima semana.

@robertadalbuquerque