Franklin de Freitas – Trabalhar com entregas não é um trabalho fácil: eles rodam até 70 quilômetros diários para ganhar menos de um salário mínimo

Em tempos de retração do mercado de trabalho, trabalhar com tecnologias disruptivas acaba sendo uma opção àqueles que precisam urgentemente gerar alguma renda e dois grandes exemplos disso são a Uber e a 99. Acontece, porém, que a aquisição ou mesmo o aluguel de um carro pode não ser algo tão acessível ou mesmo rentável em tempos de isolamento social, com baixa demanda por corridas. Por outro lado, na esteira da crescente demanda por serviços de entrega/delivery, Curitiba tem acompanhado nos últimos tempos um verdadeiro ‘boom’ no número de cicloentregadores pela cidade, especialmente na região central.

Um dos criadores do Sistema Hermes, anteriormente chamado de Mobilibike e que trabalha exclusivamente com entregas feitas por ciclistas em Curitiba, Eduardo Ramires ajuda a dar uma dimensão desse crescimento. Segundo ele, desde a criação da plataforma, em 2016, quase 30 mil ciclistas se inscreveram, sendo aproximadamente 3 mil de Curitiba. No período da pandemia, contudo, houve aumento de 300% nos cadastros, inclusive com muita gente de outras cidades tentando se inscrever (embora a plataforma atenda apenas a capital paranaense).

“Agora na pandemia teve aumento grande no número de pessoas interessadas em fazer entrega. Antes, víamos que as pessoas interessadas eram entusiastas da bicicleta, pessoas ligadas com a questão de sustentabilidade. Hoje, já é muito esse relato de desespero, de precisar fazer entrega para poder gerar renda”, comenta Ramires. “E isso foi meio paradoxal, porque teve aumento muito grande no número de pessoas interessadas em fazer entrega e a renda média dos entregadores caiu”, complementa.

Além do Sistema Hermes, as grandes plataformas de entrega, como Uber, 99 e Rappi, também trabalham com cicloentrega. Dessa forma, é seguro dizer que o crescimento da antiga Mobilibike representa apenas uma fatia do que realmente avançou o mercado. E quem constata isso são os próprios cicloentregadores.

“Está aumentando bastante. A maioria [dos cicloentregadores] tem dois empregos. Trabalha de vigilante, e nas horas vagas faz o app também. Para ter alguma coisa hoje, precisa ter dois empregos. Já vi garçom trabalhando de app, muitas outras profissões”, conta João (nome fictício, já que o entrevistado pediu para não ser identificado), que há dois anos trabalha com entregas.

Já Gil (também nome fictício) conta que usou o dinheiro que recebeu do auxílio emergencial pago pelo governo federal para comprar uma bike. “Estou trabalhando [com entregas] há uns três meses. Fiz o cadastro pouco antes de começar a quarentena e comecei a sair já na própria quarentena. Como eu estava bem parado, foi uma saída para mim”, conta ele. “Comprei usando dinheiro do auxílio emergencial. Tinha um bike bem precária e decidi investir em algo melhor. Moro em São José dos Pinhais, todo dia venho de lá até aqui [Centro de Curitiba], então tive de fazer um esforço [para comprar uma nova bicicleta”, complementa.

R$ 1 mil por mês para trabalhar 10 horas por dia
Trabalhar com entregas, contudo, não é algo tão fácil nem mesmo tão rentável. Gil, por exemplo, sai todos os dias de São José dos Pinhais para trabalhar no Centro de

Curitiba. Já João pedala da Borda do Campo, também em S. J. Dos Pinhais, até a capital paranaense. Por dia, contam, rodam mais de 70 quilômetros. Por mês, tiram pouco mais de R$ 1 mil.

“As condições não são muito boas. Antes era melhor, tinha meta e, se a gente fazia tantas corridas, dava um dinheiro a mais. Agora não tem mais isso”, relata Gil. “Comecei há dois anos e por um ano e meio trabalhei de moto fazendo entrega. No começo os apps pagavam bem, dava para sobreviver. Mas aí começaram a cortar benefícios e a pagar cada vez menos. Um tempo atrás roubaram minha moto, não consegui recuperar e aí fui para bike”, comenta ainda João.

Bicicletaria

Cultural ajuda entregadores
Localizada na região central de Curitiba, a Bicicletaria Cultural, reconhecendo os cicloentregadores como a grande massa de ciclistas atualmente pedalando pelo Centro, resolveu criar uma campanha de financiamento por meio da plataforma Benfeitoria, campanha esta chamada de Entrega Amiga.

Desde 2018 o estabelecimento oferece um espaço cicloentregadores poderem parar e descansar, tomar água, recarregar o celular ou mesmo a bike elétrica, usar o banheiro ou esquentar a marmita.

“Desde 2018 já recebemos esses cicloentregadores e vimos que eles precisavam de um espaço assim.
Esse projeto, então, reconhece o quanto esses trabalhadores precisam desse espaço de apoio e como nós, enquanto sociedade, precisamos que eles mantenham uma certa qualidade, bem-estar e segurança”, explica Patrícia Valverde, sócia-proprietária da bicicletaria.

Além disso, também foi fechada uma parceria entre a Bicicletaria Cultural e o pessoal da Marmita Solidária e da Gastromotiva. “Todos os dias eles entregam de 300 a 500 marmitas em praças. Agora, cerca de 40 vão para a Bicicletaria e os cicloentregadores vão lá receber esse alimento”, conta Valverde.

Reclamações
Os entregadores em geral, sejam atuando de bicicleta, motos ou outros veículos, reclamam dos baixos valores que recebem por entrega. No mês passado os motoboys fizeram, em nível nacional, uma manfiestação contra os aplicativos de delivery exigindo uma revisão nas taxas.