Após o desembargador Eduardo Siqueira chamar um guarda municipal de Santos de ‘analfabeto’ ao ser multado por não usar máscara de proteção para o novo coronavírus, o sindicato dos servidores estatutários de Santos afirmou ter colocado seus advogados à disposição caso os oficiais envolvidos queiram processar o magistrado por danos morais.

“Desacato a servidor no exercício da função é crime previsto em lei e esse elemento deve saber disso”, afirmou o presidente do sindicato, Fábio Marcelo Pimentel, segundo nota divulgada no site da entidade. “O sindicato repudia a atitude desse indivíduo nefasto, emocionalmente desestruturado, que se julga melhor que os outros e age com sensação de impunidade”, seguiu o dirigente.

O Sindest indicou que não vai adotar medidas judiciais contra o desembargador tendo em vista a apuração aberta do Tribunal de Justiça de São Paulo. No entanto, o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, determinou que o caso deverá ser analisado pelo CNJ, onde foi aberto um pedido de providências contra o magistrado.

Martins citou ‘enorme desgaste do judiciário’ para fundamentar a decisão de retirar o caso da corte estadual. Antes, já havia indicado que os fatos podem caracterizar conduta que infringe os deveres dos magistrados estabelecidos na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e no Código de Ética da Magistratura.

Segundo o advogado André Damiani, a ‘postura ostensiva e ofensiva’ do desembargador pode sim configurar o crime de desacato previsto no Código Penal. “Existem meios próprios para o cidadão recorrer da multa ou advertência administrativa que entender indevida, os quais não permitem e, muito menos, autorizam a ofensa endereçada ao funcionário público no regular exercício de sua função”, afirmou.

Damiani ressalva, no entanto, que a conduta de Siqueira, embora ‘inaceitável do ponto de vista moral e cívico’, pode não ser enquadrada como abuso de autoridade. “Segundo a Lei de Abuso de Autoridade comete crime quem utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido, o que não se verificou”, opina.

O advogado explica que nos vídeos que circulam nas redes sociais o magistrado ‘argumentou que o decreto municipal não teria força impositiva suficiente para obrigar os cidadãos a usarem máscara’. Nas imagens Siqueira diz que ‘decreto não é lei’. “Em que pese a argumentação seja pífia sob a ótica jurídica, não é bastante para configura o crime em questão”, indicou o advogado.

Sem máscara, desembargador humilhou GMC

Vídeos que circulam nas redes sociais mostram a abordagem do desembargador desde o início, quando um guarda municipal pede que o mesmo coloque a máscara. Em resposta, o magistrado diz que por hábito não usa.

O guarda então diz que por decreto, o desembargador teria sim que utilizar a máscara. O texto foi editado pela prefeitura em abril e dispõe sobre o uso obrigatório de máscaras faciais na cidade, sob pena de multa de R$ 100 em caso de descumprimento.

“Decreto não é lei”, responde Siqueira. O desembargador se refere ainda a um outro episódio em que teria desrespeitado um outro integrante da Guarda Municipal de Santos e afirma: “Você quer que eu jogue na sua cara? Faz ai a multa”.

O oficial diz então que vai registrar a autuação e em resposta o desembargador diz que vai ligar para o Secretário de Segurança Pública do município, Sérgio Del Bel. Siqueira chega ainda a afirmar que o guarda não é policial e ‘não tem autoridade nenhuma’.

Na suposta ligação com Del Bel, ele se apresenta como desembargador Eduardo Siqueira e diz: “Estou aqui com um analfabeto de um PM seu. Eu falei, vou ligar para ele (Del Bel) porque estou andando sem máscara. Só estou eu na faixa de praia que eu estou. Ele está aqui fazendo uma multa. Eu expliquei, eles não conseguem entender”.

Após desligar o celular, Siqueira diz que vai fazer o procedimento e rasgar a multa. O oficial pede o nome do desembargador. “Não sou obrigado a dar”, afirma o magistrado. O GCM pede então o documento do desembargador. “O senhor sabe ler? Então leia bem com quem o senhor está se metendo”, responde Siqueira.

Em seguida, o desembargador rasga a multa e a atira no chão.

Casos semelhantes

No mês passado, um empresário com comportamento semelhante ao de Siqueira foi denunciado por desacato. Ivan Storel, de 49 anos, xingou, ofendeu e ameaçou policiais militares que foram até sua residência no Condomínio Alphaville 5, bairro nobre do município de Santana de Parnaíba, para atender uma ocorrência de violência doméstica.

“Você é um bo… É um me… de um PM que ganha mil reais por mês, eu ganho 300 mil reais por mês. Quero que você se fo.., seu lixo do ca….. (palavrões). Você não me conhece. Você pode ser macho na periferia, mas aqui você é um b…. Aqui é Alphaville, mano”, gritou o empresário a um dos PMs, como registra vídeo que viralizou.

Nas redes sociais, o caso de Siqueira também é comparado ao de um casal carioca que tentou intimidar um fiscal no primeiro dia de reabertura dos bares e restaurantes do Rio de Janeiro. “Cidadão, não. Engenheiro civil, formado. Melhor do que você”, afirmou mulher envolvida no caso, ao homem presente no local para fiscalizar as aglomerações.

COM A PALAVRA, O DESEMBARGADOR

Até a publicação desta matéria, a reportagem não havia obtido contato com Eduardo Siqueira. O espaço permanece aberto a manifestações.