Ex-ministros das Relações Exteriores cobraram do governo brasileiro uma posição firme contra os ataques da Rússia à Ucrânia. Os ex-chanceleres Aloysio Nunes e Celso Lafer disseram ao Estadão que o Palácio do Planalto não pode adotar um tom neutro no episódio e precisa condenar a invasão russa.

Nunes, que comandou a política externa brasileira durante o governo de Michel Temer (MDB), disse que o País precisa seguir o exemplo do embaixador do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU), Ronaldo Costa Filho.

“Acho que foi um ato ilegal do ponto de vista do Direito Internacional. O Brasil tem que seguir essa linha tradicional, como aliás tem feito o embaixador Ronaldo Costa nas Nações Unidas, no Conselho de Segurança”, afirmou. O País exerce um mandato rotativo no Conselho da ONU, que vai se debruçar sobre um projeto de resolução, em elaboração pelos Estados Unidos, que pede a condenação do ataque russo.

“(Ronaldo Costa) Tem reafirmado essa linha tradicional, a defesa da solução negociada dos conflitos, respeito ao Direito Internacional, defesa da soberania dos países, não intervenção nos países”, observou Nunes.

O ex-senador pelo PSDB de São Paulo não escondeu as expectativas baixas em relação ao presidente Jair Bolsonaro e disse que o Itamaraty é quem precisa tomar as rédeas do tema. “O Brasil tem que condenar a agressão e pedir o fim das hostilidades e a retirada das tropas. Isso, para mim, é o mais importante, é o fundamental, se fez isso, está bom. Bolsonaro ninguém leva muito em conta o que ele fala”, afirmou.

O ex-chanceler Celso Lafer, dos governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, também avalia que o Brasil deve condenar o ataque russo. Ele explica que o presidente da República tem de aplicar princípios constitucionais como a defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, prevalência dos direitos humanos, autodeterminação dos povos e não-intervenção.

“Cabe ao presidente, como responsável pela política externa, aplicar esses princípios”, afirmou Lafer, que é conselheiro e fundador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI).

“O Brasil precisa preservar a sua tradição diplomática para poder exercer uma função construtiva. Essa função construtiva ligada à nossa tradição diplomática passa também por seguir o que estabelece a Constituição e os princípios do Direito Internacional. Também levando em conta o que são as indicações que o Direito Internacional nos dá sobre qual é o padrão do aceitável e qual é a consequência de não atender o padrão do aceitável, (a posição do Brasil deveria ser) o da condenação da posição da Rússia, do presidente (da Rússia, Vladimir) Putin em relação à questão da Ucrânia.”

Até agora, Bolsonaro não condenou publicamente o ataque russo. No Twitter, o presidente publicou orientações para brasileiros que desejem sair da Ucrânia e disponibilizou o número de telefone do plantão consular. Não houve críticas à ação russa por parte do presidente brasileiro, que visitou Putin em Moscou há cerca de uma semana.

Lafer observa que este tipo de informação é importante para ajudar os brasileiros na Ucrânia. O ex-ministro afirma, no entanto, que é preciso ter um posicionamento que contribua com a solução diplomática da crise.

“(O posicionamento de Bolsonaro) Está demorando mais do que devia”, disse. “A tomada de posição a essa altura do campeonato depois de todas as informações que nós estamos tendo está clara, não há muito por que esperar mais nada para aplicar esses princípios.”

O Ministério das Relações Exteriores, comandado por Carlos França, divulgou uma nota na manhã desta quinta-feira em que expressou “grave preocupação” com “a deflagração de operações militares pela Federação da Rússia contra alvos no território da Ucrânia”. O governo ainda fez um apelo para “a suspensão imediata das hostilidades e ao início de negociações conducentes a uma solução diplomática”. No entanto, também não houve críticas diretas ao governo russo.

Aloysio Nunes manifestou preocupação com o impacto do conflito na economia brasileira e declarou que as sanções anunciadas por países europeus e pelos Estados Unidos podem prejudicar o comércio brasileiro com a Rússia. “Quando se aplicam as sanções, fica muito difícil o comércio, criam-se obstáculos enormes para que possa circular pelo sistema financeiro os pagamentos das mercadorias importantes”, disse.

O ex-ministro lembrou que o Brasil tem uma importante parceria comercial com a Rússia envolvendo adubos e fertilizantes. “Não é um movimento comercial fabuloso, muito pelo contrário, poderia ser muito melhor, mas o fato é que fornece algumas coisas muito importantes para nós, notadamente adubos e fertilizantes”, declarou.

O senador José Serra (PSDB-SP), também ex-chefe do Itamaraty no governo Temer, publicou uma nota nas redes sociais em que afirmou que a invasão precisa “ser deplorada com veemência” e que, qualquer ação de neutralidade faria o Brasil tomar “partido de maneira indireta, enviando no mínimo mensagem ambígua que põe em dúvida nosso real apego aos princípios proclamados, dando demonstrações de estar na contramão da política externa mundial”.

Temendo uma ampliação da influência de países ocidentais, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, tem estimulado movimentos separatistas ucranianos. Desde janeiro, o governo dos Estados Unidos tem alertado para a escalada dos conflitos.