A Medida Provisória (MP) nº 1.184, publicada na segunda-feira, 28, pelo governo, pode até ter se destacado no noticiário pela tributação aos fundos de “super ricos” e pela busca por arrecadação federal. Mas o pé do texto trouxe uma informação que também é relevante para o chamado investidor “de varejo”: uma mudança nos requisitos para a isenção de imposto de renda para pessoa física nos rendimentos dos fundos de investimento imobiliário (FIIs) e fundos de investimento em cadeias agroindustriais (Fiagros).

Não que se trate de uma grande mudança, pondera Rafael Perito, sócio do escritório Ferraz, Camargo e Matsunaga Advogados e especialista em private wealth. Como primeiro requisito, a medida descreve que, para a isenção nos rendimentos, as cotas dos FIIs e Fiagros devem ser admitidas à negociação exclusivamente em bolsas de valores ou no mercado de balcão organizado, sendo efetivamente negociadas. “Tem uma sutileza. Agora as cotas precisam ser efetivamente negociadas, não basta só serem admitidas à negociação. Mas não muda nada do que já vinha sendo observado”, afirma.

O segundo requisito já causa alguma divergência entre os especialistas ouvidos pelo Broadcast Investimentos. Antes, para se ter a isenção nos rendimentos, os FIIs e Fiagros precisavam ter um mínimo de 50 cotistas. Com a MP, o número subiu para 500.

Perito, da Ferraz, Camargo e Matsunaga Advogados, pontua que a maioria dos fundos listados já possui mais de 500 cotistas, então a alteração não deveria afetar essa indústria. Por outro lado, Diogo Olm Ferreira, tributarista do VBSO Advogados, afirma que agora será mais difícil cumprir os requisitos para aplicação da isenção. “A medida certamente não é benéfica ao investidor”, diz.

Fim de estruturas patrimoniais

Brunno Bagnariolli, sócio da Jive Investments e diretor de investimentos (CIO) de fundos da Mauá Capital, afirma que ao tratar do número mínimo de cotistas nos FIIs e Fiagros, a MP “atacou” um ponto que era considerado por alguns como frágil no aspecto da tributação. “É um número muito baixo de cotistas, então era possível que alguém fizesse uma estrutura de simulação, uma ‘casca’ apenas com familiares ou amigos próximos”, diz Bagnariolli.

Para ele, a MP “foi muito feliz” em mirar esse aspecto, pois “separa definitivamente os fundos de investimento cuja essência requer a isenção, que são os com centenas, milhares de cotistas, dos fundos que têm características mais parecidas com os exclusivos”.

A mudança pode sim representar um movimento para “fechar uma eventual porta de planejamento patrimonial e sucessório que poderia se ter usando Fiagro ou FII”, concorda Perito, da Ferraz, Camargo e Matsunaga Advogados. “Muitas famílias têm estrutura imobiliária ou de terra grande. Mas montar um fundo para atingir a isenção nas distribuições é difícil, pois precisaria ter os 50 cotistas agora, ou os 500 depois, e toda essa estrutura de negociação em Bolsa. Seria um esforço hercúleo”, observa o advogado.

Quantos fundos serão afetados?

Levantamento da Quantum Finance mostra que, no fechamento de julho, havia 553 fundos – entre FIIs e Fiagros – com menos de 500 cotistas. Dessa lista, 76% tinham 50 cotistas ou menos.

Mas Perito, da Ferraz, Camargo e Matsunaga Advogados, lembra que, com a MP aprovada no Congresso, a mudança nos requisitos para isenção tributária deve surtir efeitos a partir de 1º de janeiro de 2024. Dessa data em diante, no evento do pagamento dos rendimentos, os fundos com menos de 500 cotistas deverão reter a tributação.

Segundo Perito, o mercado deve observar uma movimentação para maior captação de cotistas. “Vai exigir dos fundos captações mais efetivas, dando taxas de distribuição mais atrativas e plugando os produtos em estruturas de captação grande, para conseguir pelo menos os 500 cotistas”, afirma.

Ainda, na avaliação de Daniel Viana, sócio-diretor de investimentos imobiliários da Inter Asset, deve ocorrer uma “consolidação de fundos menores em fundos maiores, daqueles que já são negociados em bolsa, e criar uma pressão para que eventuais FIIs de pequenos grupos de investidores sejam também incorporados ou adotem uma estratégia de obter investidores no mercado”.

Um ‘fantasma’ a menos

Para Bagnariolli, da Jive Investments e Mauá Capital, o grande destaque da MP foi deixar claro que os FIIs e Fiagros não são alvos de tributação do governo, como alguns temiam. “A MP tirou muito do ‘fantasma’ da tributação. A MP publicada tem o objetivo de tributar, de aumentar a arrecadação, que era um assunto que estava pairando, e ficou muito claro que os FIIs e Fiagros serão isentos. Não é que ela foi omissa ou não falou nada, o que poderia deixar o pessoal com medo de que na próxima viesse algo. Ela foi clara que esses fundos não são alvo”, afirma.

“Houve mais de uma discussão sobre tributar os FIIs. Quando há uma tentativa e uma reação impede que seja implementada, demonstra um certo entendimento da sociedade no sentido de validar a manutenção da isenção. É como se fosse mais um teste em que os FIIs passaram”, concorda Viana, da Inter Asset.