Reprodução / The Intercept Brasil

O início de uma série de reportagens publicada pelo site The Intercept Brasil revelou conversas mantidas entre integrantes da Força Tarefa Lava Jato e o então juiz federal Sergio Moro. Em entrevista hoje ao jornal TNews, da Rádio T no Paraná, em parceria com o jornal Bem Paraná, o jornalista Rafael Moro Martins, um dos que participaram da produção da série para o Intercept, revelou que o grupo analisou “apenas 1% do material” enviado ao veículo de comunicação por uma fonte.

O MPF (Ministério Público Federal) afirmou que as conversas foram obtidas por meio do aplicativo Telegram, que teriam sido acessadas “de forma criminosa por um hacker”. Segundo o Intercept, esse material foi fornecido por uma fonte, sem que o portal tivesse qualquer participação na invasão de aparelhos celulares de procuradores. As mensagens mostram que o então juiz Sergio Moro deu orientações ao procurador da República Deltan Dallagnol sobre procedimentos da Operação Lava Jato, da qual Moro era juiz e Dallagnol, coordenador. Esse tipo de comunicação é ilegal segundo a Constituição Brasileira. 

TNews – Como foi que esse material chegou até o Intercept, foi um hacker? E no que consiste; veio em código compactado? São textos, áudios e vídeos, de qual período?

Rafael Moro Martins – O material chegou até nós, como a gente já disse naquela espécie de editorial, que na verdade é mais uma nota de editores, que a gente publicou junto com as reportagens, por uma fonte que entrou em contato conosco e que disse que tinha um material para nos entregar. Isso é tudo que a gente fala sobre isso, porque, inclusive, é uma previsão constitucional no Brasil, ou seja, isso está na Constituição: jornalistas não são obrigados a revelar quem são suas fontes de informação. Isso quer dizer que a divulgação desse material é totalmente legal, amparado na lei, não tem nada de ilegal ou criminoso no que nós estamos fazendo, ao contrário do que o Ministério Público tem alegado na defesa que tem feito nessas últimas horas.

TN – Existem, possivelmente, conversas de cunho pessoal entre os envolvidos. Quem tem teve acesso a isso e como o Intercept tem agido para separar esses conteúdos, como foi a decisão de publicar um material de origem ilegal? Ou seja, quais os critérios para definir o que tem e ou não relevância social?

Rafael – O critério é muito simples. Interesse público. Inclusive a gente parte exatamente da mesma premissa que o então juiz Sergio Moro adotou quando optou por vazar – vazar não é o termo adequado, mas dar publicidade àquelas conversas entre a então presidente Dilma e o ex-presidente Lula que tratava da indicação de Lula para um ministério. Isso foi meses antes do impeachment de Dilma. Esse critério é que conversas entre autoridades e pessoas poderosas do Estado e do governo devem ser de conhecimento da sociedade em uma democracia. É exatamente isso que a gente acha. O ex-juiz Moro já era uma figura muito poderosa quando era um magistrado, quando comandava – quando julgava, na verdade, mas a gente mostrou que ele também comandava – quando julgava os processos da Lava Jato e a própria Lava Jato se tornou um ator político relevante no País. Veja o impacto que as investigações tiveram nas últimas eleições, por exemplo, antes ainda, com a prisão de muita gente importante, com ações que foram desde o começo questionadas por partes. O ex-juiz Moro hoje em dia tem, inclusive, uma carreira política. Ele deixou a magistratura para assumir uma carreira política. Ele é um ministro de estado, ministros são políticos por excelência. Então, isso mostra que eles, da Lava Jato, e o ex-juiz Moro são pessoas que devem ser investigadas por jornalistas. A função da imprensa é jogar luz sobre gente poderosa como ele.

A gente não vai divulgar nada cujo conteúdo seja estritamente privado. A gente está pautando a divulgação pelo interesse público, ou seja, uma conversa que mostre um comportamento que a gente ache que é inadequado ou que excede o que deveria ter sido o comportamento ou ação dos procuradores, de outras pessoas envolvidas na Lava Jato, eventualmente de investigados, a gente vai divulgar, do contrário, não.

TN – As conversas seguem uma linha temporal clara? Por exemplo, é possível identificar a reação de procuradores aos fatos que ocorreram ao longo da Lava Jato? Há uma reação, por exemplo, dos integrantes da Lava Jato quando o desembargador Rogério Favreto concedeu habeas corpus ao ex-presidente Lula

Rafael – Sim, essas conversas, pelo que a gente pôde perceber até agora, é um material muito vasto. A gente tem dito em uma estimativa meio empírica é que a gente conseguiu ler 1% de todo esse material. E foi com base nessas leituras que a gente produziu essas três primeiras matérias. Isso dá uma ideia do volume do material que a gente tem. Elas (as conversas) começam em 2015. A gente até imagina que elas tenham começado quando houve aquele primeiro grande bloqueio no WhatsApp no Brasil, por uma decisão judicial, e muita gente passou a usar o Telegram. E elas vão até 2018 e algumas até um pouco além disso. Então, assim, sim, é possível traçar perfeitamente essa linha temporal. Inclusive, a forma como essas conversas estão montadas permite perfeitamente que a gente trace isso. A gente tirou esses trechos que a gente publicou de arquivos que permitem essa conexão temporal. A gente ainda não encontrou, mas certamente é possível que existam conversas daquele dia em que houve uma série de decisões sobre soltar e manter preso o ex-presidente Lula, foi em julho de 2018.

TN – Essa fonte monitorou os procuradores durante anos ou conseguiu uma forma de resgatar até mesmo mensagens antigas, até mesmo apagadas? Como o Intercept certificou que as mensagens eram reais, já que os envolvidos não foram procurados antes da publicação das matérias?

Rafael – A gente não faz comentários até para preservar a segurança dessa pessoa que nos entregou esse material e é um material no qual a gente viu relevância, nos pareceu bastante verdadeiro logo de cara. Eu estou trabalhando nisso há semanas, não sozinho, mas com outros jornalistas do Intercept. A gente percorreu vários diálogos. Eu conheço a operação, cobri a Operação Lava Jato em Curitiba, é um arquivo muito vasto para que possa ser falsificado. Datas-chave batem, as conversas batem. Nós mostramos algumas conversas a pessoas que conversaram com eles. Enfim, tem as conversas, as pessoas reconheceram as conversas. Vozes conferem com as conversas originais. Então, a gente tem certeza de que se trata de um material verdadeiro. Quanto à maneira como a fonte agiu, a gente não comenta isso por questões de segurança da fonte.

TN – Quantas reportagens ainda devem ser publicadas com base em novos fatos dessas mensagens?

Rafael – É impossível dizer quantas vão ser publicadas, mas como a gente frisou isso se trata dos primeiros frutos de um trabalho que está começando. Então, certamente, na medida em que a gente vá lendo e vá investigando e vá checando, verificando outras conversas, porque ao contrário do que os procuradores sugeriram a gente trabalhou bastante para colocar todas as coisas no devido contexto, inclusive, lendo conversas paralelas, comparando isso com movimentos processuais, com entrevistas deles à época, então, é um trabalho que leva algum tempo, um trabalho com extremo rigor jornalístico. Mas, certamente vai haver mais matérias.

TN – O Intercept optou por publicar as reportagens antes de ouvir as pessoas citadas, antes de ouvir os procuradores e o ex-juiz Sergio Moro, ministro da Justiça. Uma das reclamações do ministro, publicada em nota por meio do site Antagonista, criticando a “postura do site que não entrou em contato antes da publicação, contrariando regra básica do jornalismo”. Por que os jornalistas optaram por publicar antes de ouvir as pessoas citadas?

Rafael – Porque a gente considerou, a gente debateu muito isso entre nós e considerou que havia uma chance muito grande de que se eles soubessem que nós estávamos trabalhando para publicar isso que eles fossem à Justiça e conseguissem barrar a publicação. A gente tem inúmeros casos de censura prévia a jornalistas no Brasil (o jornal) O Estado de São Paulo foi proibido de falar do ex-presidente José Sarney. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal proibiu que a Revista CruzoÉ, que é ligada ao site Antagonista, publicasse uma matéria sobre o presidente do Supremo Dias Toffoli. Então, são inúmeros casos. O Brasil é um país onde a liberdade de imprensa não é um bem sagrado. Então, a gente optou fazer dessa forma. Assim que a gente colocou as matérias no ar entrou em contato com os procuradores e o ministro Moro dizendo que a gente colocaria imediatamente no ar as posições deles.

TN – Como está sendo a repercussão para os jornalistas nesse momento? Alguém já entrou com alguma medida judicial para impedir que mais conversas sejam publicadas?

Rafael – Não que seja do nosso conhecimento e nem de nossos advogados. A repercussão tem sido muito boa. Eu diria até surpreendente. Eu imaginava, obviamente, nós todos imaginávamos, que dado o impacto desse conteúdo que a repercussão seria grande. Eu diria que ela tem sido maior e mais ampla do que se imaginava. Teve muito destaque no exterior, nos Estados Unidos e Europa, aqui na América Latina também. O Estadão publicou hoje um material bastante contundente à respeito. Enfim, a gente tem certeza de que fez a coisa certa que era divulgar conversas com atitudes incorretas que mostram fatos graves cometidos dentro da Operação Lava Jato. Parece que isso (as reportagens) tem de fato chocado as pessoas. 

Ouça a íntegra da entrevista: