A felicidade, fique o leitor sabendo, tem muitos rostos.Viajar é, provavelmente, um deles. Entregue suas flores a quem saiba cuidar delas, e comece. Ou recomece. Nenhuma viagem é definitiva, escreveu José Saramago, escritor português que morreu aos 87 anos na sexta feira, 19 de junho de 2010. Foi o único escritor de língua portuguesa a receber o prêmio Nobel, em 1998. Morava em Lanzarote desde 1993, um pedaço da lua calcinado pelo vulcão, em meio ao oceano, onde vivem 130 mil almas. Foi naquele cenário de terras escuras da Ilhas Canárias, por onde turistas que chegam por algumas horas em cruzeiros marítimos passeiam em camelos, que Saramago viveu em exílio voluntário, quando seu livro foi censurado pelo governo português e impedido de ser inscrito em um prêmio da União Européia. O livro era O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Mais pranteado e admirado no Brasil do que em Portugal, dos 24 títulos lançados por uma única editora em nosso país, foram vendidos 1.4 milhões de exemplares. Só o Ensaio Sobre a Cegueira vendeu 350 mil livros.

Veja a galeria de fotos.

O primeiro livro lançado no Brasil foi Jangada de Pedra, em 1988. Saramago nasceu na pequena Azinhaga e fez do Brasil o seu principal mercado. Viagem a Portugal (1985) resultou de um convite do editor do Circulo de Leitores, Manuel Dias Carvalho. A idéia era ter o relato de quem via tudo pela primeira vez. Saramago não gostava de viajar, era sedentário e só tirou passaporte em 1969 para ir a Paris, viajando pela primeira vez em avião e atravessando a fronteira, também pela primeira vez. Percorreu o mundo depois da viagem a Suécia, para receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998. O Brasil sempre estava em seus planos e a última vez que esteve por aqui foi em 2008. O seu livro de descobertas do próprio país, foi o que mais gostou de ter escrito. No final do Prefácio, aconselha: Viaje segundo um seu projeto próprio, dê mínimos ouvidos ‘a facilidade dos itinerários cômodos e de rasto pisado, aceite enganar-se na estrada e voltar atrás ou, pelo contrário, persevere até inventar saídas desacostumadas para o mundo. Não terá melhor viagem.
ROTEIRO, APESAR DE TUDO
Tudo é verdade. Mas mesmo assim, há lugares que ninguém pode deixar de visitar, mesmo que seja um viajante rebelde. Lisboa está cheia desses imprescindíveis roteiros, sem os quais nada terá sido visto  da capital portuguesa.
Os Jerônimos, para começar, nem que seja para rezar por Vasco da Gama, descobridor do caminho das Índias, e Camões, que mostrou o caminho para se chegar a Portugal. O melhor é iniciar o roteiro na Torre de Belém, que fica entre o Museu dos Coches e o Museu da Marinha. Construída entre 1515 e 1521, a torre encomendada por Manuel I era uma fortaleza que ficava no meio do rio Tejo e servia de ponto de partida dos descobridores que procuravam novas rotas de comércio e riquezas. O açoramento ancorou a torre em terra firme e a fortaleza foi transformada em museu, mais bonito por fora do que por dentro. Os Jerônimos, já falamos em matéria anterior, merece toda a nossa atenção.  Para boas fotos, o Padrão dos Descobrimentos, construído em 1960 para celebrar os quinhentos anos da morte de Henrique, o Navegador, que está  na proa da caravela estilizada, com uma  miniatura de embarcação na mão. Entre  os Jerônimos e o Tejo, o  Centro Cultural de Belém, construído em 1990 recebe exposições e eventos culturais. Do outro lado da rua fica o Museu de Arte Popular.  Reserve a manhã para os Jerônimos, depois de passar pelos outros monumentos. Siga então para a rua Vieira Portuense, que margeia os jardins sempre lotados de famílias, crianças, jovens escolares. A rua é pequena, lotada de restaurantes de cozinha regional, com mesas e cadeiras na calçada. Cada restaurante, sempre cheio, tem suas especialidades. Um dos mais simpáticos é o Caniço, último da calçada, onde dona Idalina prepara delícias como sardinhas assadas e açorda de gambas, com generosas porções de camarões. Além do bom vinho português, uma das bebidas mais pedidas em dias de calor é a sangria de vinho tinto ou branco. Ao lado do Caniço, uma pequena loja vende artesanato e azulejos decorados. Algumas peças de grande beleza, ficam só ‘a mostra, porque a dona não quer mais vender. Deixe espaço para a sobremesa, que infalivelmente deverá ser os pastéis de Belém, uma verdadeira instituição.São preparados desde 1837 na Antiga Confeitaria Belém, seguindo uma receita do Convento dos Jerônimos, receita guardada a sete chaves e que renasce todos os dias, pelos mesmos processos artesanais. São vendidos 16 mil pastéis de Belém diariamente, número que passa dos 45 mil aos domingos e feriados. Filas, sempre existem, de locais e de turistas, que aproveitam para provar também outros doces e salgados da  antiga cozinha típica portuguesa, incluindo bolinhos de bacalhau. Tudo preparado na maior perfeição.O local é tão famoso e importante para o turismo, que  a Câmara Municipal de Lisboa atribuiu a Medalha de Honra da Cidade por serviços relevantes prestados ao turismo português!
São muitos os locais tradicionais de Lisboa. Um deles é uma portinha no Rossio, onde todos param para beber a ginginha. Com ou sem elas, as cerejas que dão gosto ‘a aguardente de vinho. Em frente ‘a  praça, o restaurante Nicola tem no seu interior uma grande estátua de Bocage, escritor que era cliente assíduo. Outro destaque tradicional é o João do Grão, cuja receita principal é o bacalhau cozido ou assado, servido com grão de bico. Também faz sucesso o prato de alheiras. Uma das confeitarias mais antigas é Nacional, fundada em 1824, onde convém parar para abastecer o lanche da tarde com doces e salgados tradicionais.No jantar as referências são o Pap’Açorda, na rua da Atalaia 57 ou o Olivier, da rua do Alecrim, 23. Mesmo quem não ficar hospedado
no Pestana Palace, hotel-palácio que é Monumento Nacional, dá para fazer o café da manhã, um luxo indispensável, nos seus salões cheios de obras de arte. Andando pelo Rossio, os caminhos levam ‘as ruas do comércio e ao Terreiro do Paço, que já serviu até de estacionamento de carros, mas hoje , depois de obras de restauração, volta a ter a dignidade  dos tempos reais.É a Baixa, região plana entre o Rossio e o Tejo, por onde circulam os bondes que comunicam todos os pontos da cidade. Ouro, Augusta, Sapateiros,Correeiros, da Prata, Fanqueiros são os nomes das ruas que vão terminar no Terreiro do Paço, uma das maiores e também mais interessantes praças do mundo,  conhecida como Praça do Comércio.Era onde foi construído,por D. Manuel I, os Paços da Ribeira, palácio de 3 andares e 4 torres, lotados de riquezas e obras de arte e com uma das mais ricas bibliotecas reais de toda a Europa, onde recitava Gil Vicente. Tudo foi destruído no terremoto que abalou Lisboa. A reconstrução colocou no meio da praça a estátua eqüestre de D. José, a primeira em bronze que  se fundiu em Portugal, em outubro de 1774. A estátua foi colocada na praça no ano seguinte e levou três dias e meio para ser carregada por mais de mil pessoas, entre as quais os nomes mais representativos na cidade. Pesa 29.371 quilos, tem 6.93 metros de altura e precisou de 38.564 quilos de bronze para a sua feitura. O monumento tem altura total de 14 metros. Os  três lados da  praça que não dão para o Tejo são ocupados por edifícios com arcadas que abrigam secretarias do Estado, ministérios da Marinha, Exército, Comércio e vários outros órgãos públicos. O arco triunfal da rua Augusta é uma porta nobre que conduz o viajante de volta para o coração da cidade. O Chiado, oficialmente rua Garrett, é o centro tradicional de comércio, com a principal loja das porcelanas Vista Alegre e cristais Atlantis, o café A Brasileira, onde Fernando Pessoa passava horas conversando com os amigos e hoje sua estátua é o spot predileto dos turistas para a foto-lembrança.Ourivesarias, livrarias ( a Bertrand é a mais conhecida), casas de chá, moda, floricultura, tudo é atraente para o visitante.O Chiado também sofreu mudanças, depois do grande incêndio em agosto de 1988, e hoje tem um ponto de metrô em uma galeria que abriga lojas, lanchonetes e uma Fnac bem sortida.Para uma bela vista do Tejo, procurar o Tágide é garantia de boa mesa. O restaurante tem azulejos do século 18, uma fonte do século 17 e fica no Largo da Academia Nacional de Belas Artes.
MAIS UM DIA PERFEITO
Mesmo que não goste de entrar em museus, procure conhecer  o  Museu Nacional do Azulejo, dentro do Convento da Madre de Deus, fundado por dona Leonor, viúva do rei João II, em 1509. Os claustros do convento são pano de fundo perfeito para o Museu Nacional do Azulejo, com painéis, azulejos e fotos que ilustram a evolução da  fabricação, sua introdução pelos mouros e a influência espanhola, até o desenvolvimento do estilo português. Um painel do século 18 mostra Lisboa antes do terremoto de 1755, inclusive o palácio real no Terreiro do Paço. É possível comprar peças feitas por artistas de hoje.
Reserve toda uma manhã para visitar o Museu Calouste Gulbenkian. A coleção particular do milionário nascido em Scutari (Turquia), foi iniciada aos 14 anos, com a compra de algumas moedas em um bazar. Em 1928, Gulbenkian teve participação de 5% em quatro grandes companhias de petróleo, entre as quais a British Petroleum e a Shell, como  agradecimento por sua intervenção na transferência de ativos da Companhia Iraquiana de Petróleo para estas quatro empresas. Durante a Segunda Guerra Mundial, procurou abrigo em Portugal e quando morreu, em 1955, legou seus bens ‘a Fundação que leva seu nome. Há de tudo um pouco no museu, mas um dos destaques é o acervo  René Lalique, de quem Gulbenkian era amigo. Jóias, cristais, peças incrustadas com pedras semi preciosas, com esmalte, ouro, como broches, colares, jarras, pentes, tudo dentro dos padrões Art Nouveau, fazem dessa coleção uma das maiores do gênero no mundo. A Fundação tem corpo de ballet, orquestra, grupo de teatro e mantém uma livraria com editora própria, onde também podem ser adquiridas réplicas de cerâmica de algumas peças do museu. Os imensos jardins que ocupam um quarteirão inteiro,são cortados por espelhos d’água, canteiros de rosas, árvores, fontes, que os estudantes e visitantes aproveitam para momentos de paz e reflexão. No final dos jardins está instalado o  Centro de Arte Moderna, parte da fundação, que possui pinturas e esculturas de artistas portugueses do início do século passado até nossos dias. O destaque é o retrato de Fernando Pessoa no Café Irmãos Unidos, pintado por José de Almada Negreiros. Uma livraria e um café completam as instalações do museu. A melhor pedida então é atravessar os jardins em direção ao restaurante O Polícia, na rua Marquês de Sá Bandeira 112 a. O restaurante tem esse nome porque o pai do dono era policial. O bar é agradável, a comida excelente e as mesas ficam lotadas todos os dias, principalmente no almoço. Procure pelo garçom Adriano, um simpático senhor de muitos anos de casa. Uma casa que já passa dos cem anos. Um  dos pratos famosos é a bochecha de peixe, sempre para três ou quatro pessoas, já que são peixes de alto mar, de grande porte.Todos os dias muda o cardápio principal, mantendo-se sempre as receitas tradicionais. Para completar um dia feliz, basta seguir até El Corte Inglês, grande loja de departamentos originária da Espanha, que vende absolutamente de tudo. Para conhecer um shopping português, siga para o Amoreiras.
ORIGENS NA ANTIGUIDADE
Os antigos atribuíam a fundação de Lisboa a heróis de fábula, o que convinha ‘a explicação etimológica de seus nomes (Ulisses, Lisa e Elixa). A verdade é que  a probabilidade de terem sido os fenícios os seus fundadores fica mais patente a partir da colônia fenícia  Alis ubbo  — enseada amena – que ocuparia o Castelo de S.Jorge. Outros colonizadores se sucederam até que a povoação foi ocupada pelos romanos, no ano 205 antes de Cristo. Elevada ‘a categoria de município romano, foi denominada Felicitas Julia, que substituiu com a designação latina de Olissipo ou Olissipona. Do domínio romano sobraram um teatro romano dedicado a Nero, construído no ano 57 da era cristã e descoberto em 1798; termas dedicadas aos Cássios, onde foi construído o palácio Penafiel e as termas dos Augustais, construídas no tempo de Tibério. Lisboa estava ligada com Emérita Augusta (Mérida) por três estradas militares. Depois de um longo período de sujeição ao domínio romano, Olissipo caiu nas mãos dos bárbaros do Norte até 714, ano em que, após a batalha de Guadalete, depois de três séculos de dominação visigótica, passa para o domínio dos muçulmanos Na época em que foi conquistada várias vezes por D. Afonso o Castro, pelo rei de Leão  até ser definitivamente retomada por D. Afonso Henriques, com apoio de cruzados, ingleses, alemães e militares de Flandres, a cidade era chamada de Olissibona ou Lissibona e tinha cerca de  15 mil habitantes. O rei D. Afonso III foi o primeiro soberano a estabelecer corte em Lisboa, tornando-a capital do país e iniciando um período de crescimento rápido.