Eram 7h45 de uma quarta-feira quando me aproximava do estádio Al Janoub, construído na cidade de Al Wakrah, 20 quilômetros ao sul do centro de Doha, no Catar. No fim de uma corrida de Uber de 25 minutos, cruzei com 33 ônibus vazios circulando. Todos faziam o trajeto estádio/estação de metrô. Os motoristas estavam treinando para atender os turistas durante a Copa do Mundo, no fim do ano.

O motorista do Uber me contou que a cena se repetia havia dois meses. “Ficam gastando dinheiro. Se fosse por um mês, tudo bem”, disse indignado. O Estadão acompanhou de perto toda essa movimentação e conheceu os oito estádios da Copa do Mundo do Catar.

Era o primeiro estádio da Copa de 2022 que visitaria para a reportagem. Cheguei às 7h54 e o termômetro do meu celular já marcava 39ºC. No portão de entrada, nenhuma sombra. Por sorte, logo mandaram um carrinho de golfe para me resgatar do calor – veículo que, aliás, é imprescindível para se locomover ao redor dos estádios no quase insuportável verão catari.

O gerente de operações do Al Janoub, Williams Morales, um engenheiro venezuelano que mora em Doha, me recebeu entusiasmado e logo contou que o brasileiro Roberto Carlos participou da inauguração do estádio em 2019 (Cafu também esteve lá na ocasião). Com Morales, o Estadão percorreu todo Al Janoub, em um tour semelhante ao que se repetiria nos dias seguintes pelos outros três estádios em que o Comitê Organizador permitiu a entrada da reportagem.

Em geral, os estádios impressionam. Luxuosos e modernos em sua maioria, têm sistema de ar condicionado, boa acústica e bonitas referências à cultura catari. Todos têm projetos de uso para depois do Mundial. Alguns deles, por exemplo, terão áreas transformadas em hotéis. Outros serão a casa de times locais. Sem jogos, porém, não foi possível verificar como funcionam, se a entrada e saída de milhares de torcedores ao mesmo tempo, por exemplo, é fácil. Alguns foram testados para públicos menores.

Todos os passeios começaram pela área VVIP, com dois “v” mesmo, que indicam que o local é para pessoas mais do que importantes. Essas áreas luxuosas são compostas sempre por um espaço grande mobiliado com sofás e poltronas confortáveis e decorados com objetos da cultura local ou com quadros e fotografias que ilustram o país. Há também dezenas de camarotes, todos com excelente vista para o campo e saída para cadeiras nas numeradas.

São nas áreas VVIP que chefes de Estado e dirigentes da Fifa serão recebidos. Há também uma sala especial para o emir. Em uma em que entrei (no estádio Al Bayt, o da abertura do Mundial), me pediram para tirar o sapato para não sujar o tapete branco que decorava o local. Sofás também brancos e quadros com fotografias em preto e branco da população catari completavam o interior da sala.

Após conhecer o espaço VVIP, o tour continuava pela área VIP, que só se diferenciava da primeira pela ausência da sala do emir e do lounge do presidente da Fifa (um espaço bastante apertado quando comparado ao do emir, a figura mais importante do Catar). Também foi possível percorrer os gramados, que, no fim de junho, apresentavam algumas áreas descobertas, sem a grama verdinha. Morales explicou que estavam assim porque era época de troca de grama e que, em um mês, os campos estariam em condições perfeitas.

No Al Janoub, a grama é híbrida e, segundo Morales, isso deve fazer com que o torcedor veja com menor frequência aquelas cenas de tufo do campo voando no meio das partidas após um chute forte dos atletas. O Maracanã também adotou a híbrida neste ano, mas, em julho, havia sinais de que o gramado não estava aguentando a quantidade de partidas disputadas no estádio, refém do calendário do futebol brasileiro.

Também no Al Janoub, nosso anfitrião pediu para um funcionário ligar os telões do estádio, que passaram a exibir um clipe de Hayya Hayya (Better Together), a música oficial da Copa do Catar. Morales, não à toa, ficou orgulhoso do sistema de som e da acústica da arena, que impressionou também engenheiros do Sudão que visitavam o local naquele dia.

AR CONDICIONADO

Atrasado, chegou Saud Abdul Ghani, o engenheiro responsável pelo sistema de ar condicionado de todos os estádios do Mundial. Contou que, na maioria dos estádios, o ar sai por baixo das cadeiras dos torcedores. Há também espécies de canhões que jogam o ar frio para o campo. Ali, a temperatura é mantida amena até uma altura de, mais ou menos, dois metros acima dos jogadores. Nas laterais do gramado, você sente um certo ventinho, mas não no campo, dado que se forma uma espécie de bolha de ar ali. O formato de alguns dos estádios também ajuda a manter o ar refrigerado.

Para resfriar o estádio, são necessárias de duas a três horas com o sistema ligado, mais ou menos o tempo em que o torcedor começa a entrar nas arenas em Copa dos Mundo. No verão, quando os termômetros podem marcar 50ºC no país, os estádios conseguem manter uma temperatura de 21ºC. O Estadão participou de um jantar servido no gramado do estádio Khalifa. O evento nada tinha a ver com a Copa, mas foi possível conferir que o sistema de refrigeração é mesmo eficiente. Apesar dos 36ºC do lado de fora, tive de vestir blusa de manga longa e ainda me enrolei num casaco.

A energia para garantir o sistema de refrigeração vem de uma fazenda de painéis solares construída especialmente para a Copa. Ela tem capacidade de gerar dez vezes a energia necessária para abastecer os oito estádios.

Parece ser uma solução perfeita para um país desértico, onde o Sol arde. Mas Abdul Ghani explicou que não é trivial manter a fazenda. Os painéis solares precisam de constante manutenção por causa da poeira e das tempestades de areia. Ainda assim, a energia solar é responsável por 10% da matriz energética do Catar – o gás natural é a principal fonte.

Abdul Ghani me levou para conhecer os “porões” do estádio, embaixo das arquibancadas, onde o ar é filtrado. Ali, resistiu em dizer qual o gasto de energia para manter um estádio resfriado durante uma partida de futebol. Se esquivou afirmando que depende do número de torcedores e da época do ano. A assessoria de imprensa da Comissão Organizadora também não revelou o dado.

O tour continuou pelos vestiários: primeiro os dos árbitros, mais modestos, e depois os dos jogadores. No Al Janoub, além de cada jogador ter seu armário, há um pequeno cofre para cada um também. Cada time tem à disposição sala de massagem, um espaço com gramado artificial para o treino de algumas jogadas ou um aquecimento prévio, jacuzzi, banheira de gelo para crioterapia e sala para orações – com, obviamente, indicação para Meca.

974

Estádio onde o Brasil jogará sua segunda partida da Copa, contra a Suíça, o 974 parece feito de peças coloridas de Lego. Na verdade, ele foi todo construído com contêineres e módulos de aço e será desmontado depois do Mundial. O material poderá ser usado para construir estádios menores ou até mesmo um igual em outro lugar.

Como será desmontado, é o único estádio da Copa do Catar sem ar condicionado. O interior tem decoração colorida, seguindo o padrão externo. Os vestiários dos jogadores têm bancos e armários feitos com o mesmo material dos contêineres, o que dá uma impressão de um estádio mais simples – mas também mais moderno – do que outros como Al Bayt.

Com capacidade para 40 mil pessoas, o 974 é o estádio mais próximo do centro de Doha e tem vista para a baía e para os modernos prédios da West Bay. É possível acessá-lo de metrô e uma espécie de “beach club” será instalado em suas proximidades durante a Copa.

AL BAYT

De longe, o estádio de abertura da Copa simplesmente não parece um estádio, e sim uma tenda gigantesca. A arquitetura do Al Bayt é inspirada em tendas dos povos beduínos e o interior da arena impressiona pela opulência. Nos vestiários, por exemplo, um confortável sofá revestido de tecido foi instalado no lugar dos tradicionais bancos.

Todo o luxo da decoração deve ser aproveitado depois da Copa, quando a área VIP será transformada em um hotel cinco estrelas. Ainda está prevista a incorporação de um shopping center e de um hospital de medicina esportiva. No projeto pós-Copa, a capacidade do estádio será reduzida de 60 mil para 32 mil pessoas.

O complexo de Al Bayt, porém, fica a 46 km do centro de Doha. Não é uma distância longa, mas, hoje, praticamente, não há nada próximo ao local. Não é possível chegar de metrô ao estádio. A distância equivale à viagem de São Paulo a Jundiaí.

AL JANOUB

Al Janoub fica em Al Wakrah, uma cidade com pouco mais de 30 mil habitantes que já foi um vilarejo de exploração de pérola – daí o formato do estádio lembrar um barco de pesca típico catari, e as arquibancadas, o mar.

A forma do Al Janoub, porém, foi motivo de polêmica quando o projeto foi divulgado, dado que muitos a compararam com uma vagina. À época, a arquiteta iraquiana responsável pelo desenho, Zaha Hadid, afirmou que os comentários eram “ridículos”. “Tudo com um buraco é uma vagina?”, questionou. Ela sugeriu também que a comparação não teria sido feita se o arquiteto fosse homem. Hadid foi a primeira mulher a ganhar o Prêmio Pritzker, espécie de Oscar da arquitetura, em 2004.

O estádio possui um teto retrátil, que leva cerca de meia hora para ser fechado. Quando a estrutura está montada, o resfriamento do Al Janoub é feito mais rapidamente e ela pode ser reaberta assim que a temperatura no interior cair.

Com capacidade para 40 mil pessoas, o Al Janoub terá esse número reduzido para 20 mil após a Copa. Para chegar ao estádio, é possível utilizar o metrô, mas a estação mais próxima fica a 4,5 km. Nos dias de jogos, os ônibus estarão disponíveis para os torcedores percorrerem esse trajeto final.

Al Janoub foi o primeiro estádio construído para o Mundial do Catar a ficar pronto e foi inaugurado em maio de 2019, três anos e meio antes da disputa. Entre os jogos que receberá, estão alguns do mesmo grupo do Brasil, como Suíça x Camarões e Camarões x Sérvia.

AHMAD BIN ALI

Inaugurado em dezembro de 2020, o Ahmad Bin Ali foi erguido onde ficava o antigo estádio do time Al Rayyan – que foi demolido. Segundo o Comitê Organizador, mais de 90% dos materiais usados na construção eram reciclados e as árvores que circundavam a instalação antiga foram replantadas.

Por enquanto, porém, a impressão é de que ainda faltam árvores nos arredores para fornecer sombras nessa região que é conhecida como a porta de entrada para o deserto do Catar. E a caminhada de dez minutos no verão local, entre a estação de metrô e o estádio, parece derrubar a pressão de qualquer um.

O estádio tem uma fachada branca reluzente e a ideia é que lembre diferentes aspectos da cultura do país, como a beleza do deserto e a flora e a fauna. Assim como o estádio, a estação de metrô local e um shopping ao lado foram construídos para a Copa do Mundo. A capacidade para 40 mil pessoas também será reduzida pela metade depois do Mundial 2022.

AL THUMAMA

Com a fachada representando o “gah fiya” (touca branca que é símbolo de dignidade e é usada por muçulmanos sob o lenço branco que cobre suas cabeças), Al Thumama tem um interior não tão luxuoso como o de outros estádios. Os vestiários, por exemplo, têm mobiliário branco e discreto. A área VIP também tem mesas, cadeiras e sofás com design menos rebuscado, mas elegantes, além de alguns objetos da cultura local.

Al Thumama receberia o primeiro jogo da Copa, que estava programado para as 13h de 21 de novembro entre Senegal e Holanda – a cerimônia de abertura seria depois dessa partida e também após Inglaterra e Irã. Uma mudança anunciada a cem dias do início do Mundial, porém, tirou do Al Thumama o primeiro jogo, que passa a ser no estádio de Al Bayt entre Catar e Equador, imediatamente após a abertura. Geralmente o país-sede abre a Copa.

A capacidade de Al Thumama durante a Copa será de 40 mil pessoas. Depois, passará para 20 mil. Como ocorrerá com os outros estádios, a estrutura que será removida para diminuir a capacidade deve ser repassada a países em desenvolvimento. A intenção é que eles usem o material na construção de centros esportivos. Inaugurado em outubro do ano passado, o estádio também deve receber um hotel e uma clínica esportiva depois do campeonato.

CIDADE DA EDUCAÇÃO

Instalado em uma região que reúne campi no exterior de universidades como Georgetown e Northwestern, o Cidade Educação é o estádio com acesso mais fácil de todos no Catar. A estação de metrô fica a 500 metros e o bairro tem um sistema de trens de superfície gratuito que conecta as diversas instituições de ensino e pesquisa – um dos pontos de embarque fica em frente ao estádio.

O Cidade Educação é mais um estádio para 40 mil pessoas que terá a capacidade reduzida pela metade. Losangos compõem a fachada, e a intenção é que remetam à durabilidade, qualidade e resiliência dos diamantes.

Após a Copa do Mundo, as instalações deverão ser usadas pela seleção feminina do Catar e para a prática esportiva da comunidade local, sobretudo estudantes. Duas escolas e um centro de conferências devem ser incluídos no local.

KHALIFA

Único que não foi erguido especificamente para a Copa, o Estádio Internacional Khalifa existe desde 1976, mas foi remodelado para o Mundial de 2022. A capacidade foi ampliada em 10,5 mil lugares (o total agora é de 40 mil) e uma iluminação especial em LED foi adicionada, assim como o sistema de ar condicionado.

Diferentemente dos estádios novos do Catar, cujas pequenas saídas de ar foram instaladas embaixo dos assentos, no Khalifa, elas são maiores e somam 2.013 unidades, que jogam o ar de um nível acima para a arquibancada e o campo.

Pronto para o Mundial desde 2017, o Khalifa tem fácil acesso de metrô e fica encostado no hotel The Torch. Um dos mais conhecidos do país, o hotel é uma torre de 300 metros de altura no formato de tocha, com 51 andares e vista de 360 graus de Doha. Parece até fazer parte do estádio. O hotel é conectado ao luxuoso shopping Villaggio Mall.

Após receber a disputa pelo terceiro lugar da Copa, o Khalifa deverá voltar a ser o principal estádio do país.

LUSAIL

Com capacidade para 80 mil pessoas, o estádio de Lusail receberá a final da Copa e dois jogos do Brasil na fase de grupos (Brasil x Sérvia e Brasil x Camarões), além de outras partidas que chamarão a atenção dos torcedores, como Argentina x México e Portugal x Uruguai.

Construído a 20 km do centro de Doha, o estádio fica em Lusail – uma cidade para 250 mil habitantes que foi quase totalmente construída nos últimos dez anos. Quando a reportagem esteve no local, no fim de junho, as obras ainda eram intensas na região, tanto de prédios residenciais quanto de infraestrutura ao redor do estádio. A Comissão Organizadora não permitiu a entrada da reportagem no local.

A arquitetura do estádio é inspirada na interação entre luz e sombra de um modelo de lampião tradicional no Catar. O governo estuda modificar o local, depois da Copa, para dar lugar a unidades habitacionais, lojas, clínicas, uma escola e um campo de futebol comunitário. Tem fácil acesso por metrô e o jogo de inauguração ocorreu em agosto.