KARINA OLIVEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Entre os mares de morros da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, com cerca de 30 mil habitantes, segundo o censo do IBGE de 2010, há 46 anos nasceu o bairro Jardim Damasceno. Para contar a trajetória dessa região que coleciona sonhos, histórias de luta, reivindicações e resistência de moradores, neste mês, a região ganhou um minidocumentário.
A ideia de registrar a história do bairro, surgiu pelo interesse de um grupo de jovens em fazer o trabalho final do curso de Formação de Agentes Socioambientais Urbanos, da UMAPaz, sobre as lutas e conquistas dos moradores. Com o nome “Resgate de Memórias do Jardim Damasceno”, o vídeo de 33 minutos, foi exibido para os moradores no início do mês, no Espaço Cultural Jardim Damasceno ­mais conhecido como Barracão-, em um telão improvisado com lençol.
Para o retificador mecânico, Erick Batista, 35, que vive no bairro desde que nasceu, pensar no Jardim Damasceno é lembrar da história de vida de cada um, das frustrações e realizações das pessoas que fizeram desse local a sua morada e lutaram pelo direito de fazer dali um local digno de se viver. E ter um registro de como tudo começou é essencial.
“Espero que esse documentário sirva para que os mais jovens conheçam um pouco sobre a construção do bairro e que pessoas de outras comunidades possam ver, refletir e por meio desses relatos extrair as coisas boas, as superações e de que é sempre possível melhorar independentemente das condições da região que se vive”, pontua.
O vídeo apresenta uma estrutura linear que leva o telespectador do início da formação da ocupação do Damasceno, relatada por 14 moradores antigos e da nova geração.
“Optamos em abordar o depoimento dos mais velhos primeiro, contando o início do Damasceno, as principais lutas, a ocupação no Córrego do Canivete e na sua conversão em parque linear, as necessidades atuais e passando uma mensagem para juventude e população do bairro”, explica Ellen Emerich, 25, estudante de engenharia ambiental e uma das integrantes do trabalho.
Ela ainda acrescenta que tais registros podem manter as memórias do bairro vivas. “O vídeo-documentário tem como objetivo realçar as conquistas do Damasceno, mas também incentivar que elas continuem acontecendo para evocar o sentimento de orgulho pela própria história”, conta.
VIDAS DAMASCENAS
Tais sentimentos, como o de Noêmia de Oliveira Mendonça, 59, aposentada, que atua como educadora popular na região e faz parte do coletivo espaço cultural, continuam bem vivos. A cearense chegou ao Jardim Damasceno em meados da década de 1970, quando não havia água encanada, luz e pavimentação.
Noêmia de Oliveira Mendonça, educadora e uma das vozes mais ativas da região, desde a década de 1970 (Tati Zaratin)
Dentre tantas lutas para a melhoria do bairro, Noêmia guarda com muito carinho uma das mais marcantes de sua vida, que foi a pela saúde na região, com uma participação assídua das mulheres do bairro. Depois de correrem atrás da implantação de três hospitais e até ajudarem a escolher os terrenos, eles ficaram parados, sem uso. Para chamar a atenção do poder público, Noêmia e as moradoras decidiram usar a criatividade para serem ouvidas.
“Planejamos fechar a Avenida Inajar de Souza, muitas mulheres se reuniram, improvisamos barrigas falsas para simbolizar grávidas e arrumamos umas macas para elas ficarem em cima. Nós fizemos uma dramatização daquilo que estávamos vivenciando no momento. Passou até na televisão”, relembra.
O casal de aposentados Francisco Fernandes, 70, e Maria de Souza, 73, chegaram na região em 1976 e sabem muito bem como o começo no bairro não foi fácil e de como é importante manter viva as lembranças da região. “Aqui era só barro. Antes, a gente lavava a roupa lá no bairro Jardim Guarani, puxando a água de um poço de 20 metros de profundidade. Era muito sofrimento”, conta Maria.
O morador Erick conta que dentre as lembranças mais marcantes, recorda-se com muito afeto das piscinas que havia na “mata” Serra da Cantareira, que servia de refresco para os dias mais quentes. “Íamos correr, nadar, pegar morangos silvestres, ver e ouvir os macacos gritadores (Bugios) e os tantos animais que lá moravam”, relembra.
Segundo Ellen, mesmo com a ausência de recursos de filmagem e de conhecimentos básicos em edição não foi um empecilho para a produção do documentário e aceitação do público.
“Tínhamos só uma handycam sem microfones de apoio ou qualquer coisa do tipo e um conhecimento básico de edição de vídeo. O que resultou em uma qualidade gráfica não tão boa, algumas falhas no som, mas que acreditamos que ainda assim não tira a qualidade de conteúdo e de transmissão das informações”, explica.
Em abril, o mini-documentário será apresentado em mais uma sessão no Espaço Cultural Jardim Damasceno e estará disponível no Youtube para uso público.