Defensora do poliamor, a nossa colunista Regina Navarro Lins revela as razões pelas quais o amor romântico tende a sair de cena e dar espaço a relacionamentos múltiplos.

AGÊNCIA ESTADO – Por que você acredita que amar e se relacionar com mais de uma pessoa ao mesmo tempo será uma realidade cada vez mais comum nos próximos anos?

REGINA NAVARRO LINS – O amor é uma construção social. Há uma grande diferença, por exemplo, no amor vivido na Grécia antiga, na Idade Média e atualmente. O amor que vivemos no Ocidente é o amor romântico, que é calcado na idealização do outro e traz a idéia de que você tem que procurar alguém que te complete, sua alma gêmea. Propõe que os dois vão se transformar num só, portanto, prega a exclusividade total entre os amantes. A questão é que a busca da individualidade caracteriza a época em que vivemos. A grande viagem do ser humano é para dentro de si mesmo. Cada um quer saber quais são suas possibilidades, desenvolver seu potencial. O amor romântico propõe o oposto disso, na medida em que prega a fusão de duas pessoas. Ele então começa a deixar de ser sedutor. Um amor baseado na amizade e no companheirismo está surgindo. Não haverá mais idealização do outro e você vai poder ser relacionar com a pessoa do jeito que ela é.
O amor romântico está saindo de cena e levando com ele a exigência de exclusividade. Sem a idéia de encontrar alguém que te complete, abre-se um espaço para outros tipos de relacionamento, com a possibilidade de se amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Todas as expectativas e ideais do amor romântico são passados como a única forma de amor, e as pessoas aprendem a sonhar e a buscar um dia viver tal encantamento. Mas como o amor romântico é construído em torno da projeção e da idealização sobre a imagem em vez da realidade, a pessoa amada não é percebida com clareza, mas através de uma névoa que distorce o real. São várias as mentiras que o amor romântico impinge para manter a fantasia do par amoroso idealizado, em que duas pessoas se completam, nada mais lhes faltando. Entre elas estão afirmações absurdas como: Só é possível amar uma pessoa de cada vez; Quem ama não sente tesão por mais ninguém; O amado é a única fonte de interesse do outro; Todos devem encontrar um dia a pessoa certa, e por aí vai. Como nenhuma delas corresponde à realidade, em pouco tempo de relação as pessoas se decepcionam e se frustram. No amor romântico você idealiza a pessoa amada e projeta nela tudo o que gostaria de ser ou como gostaria que ela fosse. Não se relaciona com a pessoa real, mas com a inventada. É claro que, na intimidade da convivência do dia-a-dia, você acaba enxergando a pessoa do jeito que ela é. Não dá mais manter a idealização e a conseqüência natural é o desencanto….e o sofrimento.

AE – Esse conceito não pode ser confundido com traição pura e simples?

REGINA NAVARRO LINS – O poliamor pressupõe uma total honestidade dentro da relação. Não se trata de enganar nem magoar ninguém. Tem como princípio que todas as pessoas envolvidas estão a par da situação e se sentem confortáveis com ela. A idéia principal é admitir essa variedade de sentimentos que se desenvolvem em relação a várias pessoas, e que vão além da mera relação sexual. Não é o mesmo que uma relação aberta, que implica no sexo casual fora do casamento, nem na infidelidade, que é secreta. O poliamor é baseado mais no amor do que no sexo e se dá com o total conhecimento e consentimento de todos os envolvidos, estejam estes num casamento ou no caso de uma pessoa solteira com vários relacionamentos . Pode ser visto como incapacidade ou falta de vontade de estabelecer relações com uma única pessoa, mas os poliamoristas se sentem bastante capazes de assumir vários compromissos.

AE – O ser humano não tem sentimentos possessivos demais para aceitar que seu parceiro ame outras pessoas também? Ou isso depende da cultura e da personalidade de cada um?

REGINA NAVARRO LINS – O ciúme é aprendido culturalmente. Temos que lutar contra o ciúme, contra o sentimento de posse. O ciúme é limitador, para quem sente e para quem é alvo dele. Nas palestras que realizo ouço dizerem: “Se uma pessoa casada transou com alguém fora do casamento é porque a relação ia mal.” ou “Se transou com outra pessoa é porque não havia mais amor.” Nada disso é verdade. O desejo de variar de parceiro (a) é natural, e isso não tem nada a ver com a relação estável, que pode ser ótima, com muito tesão. No poliamor aceita-se como fato evidente que todos têm sentimentos em relação a outras pessoas que as rodeiam. Como nenhuma relação está posta em causa pela mera existência de outra, mas sim pela sua própria capacidade de se manter ou não, os adeptos garantem que o ciúme não tem lugar neste tipo de relação.

AE – Especificamente no Brasil, você acha que o poliamor pode ser aceito normalmente?

REGINA NAVARRO LINS – A mudança das mentalidades é lenta e gradual. Pensarmos no poliamor com a visão que temos hoje a respeito das relações amorosas, e de como desejamos vivê-la, é inadmissível. Entretanto, se alguém dissesse, na década de 1950, e mesmo no início dos anos 60, que dentro de algumas décadas seria natural as moças não casarem virgens, seria tachado de louco. O mesmo ocorre com a separação. Nessa época, uma mulher separada era considerada prostituta, totalmente discriminada, e seus filhos não eram convidados para a casa dos colegas e recusados em várias escolas. Alguém aceitaria a idéia de que separação se tornaria algo tão comum? Acredito que o poliamor vai predominar, no Ocidente, daqui a algumas décadas nos relacionamentos amorosos.