Todas as grandes religiões recomendam aos fieis períodos de jejum ou abstenção de alguns alimentos, a Quaresma dos cristãos, o Ramadã dos muçulmanos, o Sabath dos judeus, as restrições alimentares do Budismo e de outras crenças.

Moderar na alimentação é benéfico à saúde física e até mental dos indivíduos, restringir ou eliminar, por exemplo, a carne vermelha na dieta, passar algum tempo sem comer ou comendo menores quantidades, com bom senso são práticas saudáveis.

Acredita-se que isso seja uma forma de sacrifício que se oferta à divindade, mas antes ou além de sacrifício o que se oferece é fortaleza de espírito; ser capaz de se privar voluntariamente de algo desejável pode tornar a pessoa mais forte em sua capacidade de viver e tomar decisões. E as homenagens que se presta ao divino certamente serão mais valiosas se vierem de pessoas livres e independentes, nenhum deus desejaria ser o deus dos escravos da vontade e da autoindulgência. O que é totalmente diferente da arrogância ou orgulho tolo que se costuma associar a sucesso e na verdade apenas expressam mendacidade.

Desde muito tempo atrás considerava-se que alguns períodos de contenção alimentar favoreciam a reflexão e alguma iluminação espiritual, pelo autodomínio físico e controle da tendência à autocomplacência, melhorar nossa capacidade cognitiva. Hermann Hesse em “Sidarta” relata a vida de um personagem inspirado em Sidarta Gautama, o Buda. Em um dos momentos mais inspiradores do livro, Sidarta é inquirido acerca do que saberia fazer e responde “sei orar, sei jejuar e sei esperar”. A verdadeira essência do que se convencionou chamar santidade, à parte das fórmulas de autoajuda, orar sempre foi uma das formas mais eficazes de introspecção, jejuar para aqueles que tem a felicidade de ter o que comer é uma opção válida de autodisciplina, esperar é ter paciência, a maior das renúncias pois significa abrir mão de tentar controlar o tempo.

Aparentemente, após quase dois anos de pandemia, estamos vivendo o afrouxamento de certas regras de autopreservação e preservação dos demais, como o uso de máscaras na maioria dos ambientes e redução drástica na lotação de eventos. Todos esperamos que isso seja “real”, o início do fim de um tempo difícil e perigoso que custou milhares de vidas e muito sofrimento, e que o término da Quaresma possa marcar também o do confinamento social.

Infelizmente, no entanto, a situação ainda não está totalmente superada, e algum cuidado é necessário; precisaremos manter as medidas que, somadas à vacinação, pouparam vidas e controlaram de certa forma a Covid.

Escolas e atividades de lazer retornam, mas pedem também um pouco de moderação nas atitudes e vontade de compartilhar espaços; ensino e aprendizagem são modalidades de afetividade, precisam convivência e proximidade, mas ainda necessitam cuidados e bom senso.

Dentro das instituições escolares convivem muitas faixas etárias, cada uma com suas fragilidades e especificidades e, se é desta mistura que vem o conhecimento, o prazer da descoberta e a alegria de viver em comunidade, também é dela que vem a potencialidade de transmissão de algumas doenças, e por isso o cuidado da higiene e das medidas de cautela são importantes.

Assim como os tempos de contenção preconizados pelas religiões destinam-se também a serem de meditação e autoconhecimento, esse período por que passamos pode ser útil para a interiorização, saber quem somos e quais nossos valores mais importantes, acima de vaidades e materialismo. Todos perdemos muito na pandemia, muitos perderam entes queridos, muitos perderam o emprego ou a viabilidade de empreendimentos; podemos tentar ter agora nosso tempo de renascimento, nos tornarmos melhores e aprender algo essencial para a vida em comunidade: empatia e solidariedade.  

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.