O caso da adolescente violentada em uma comunidade do Rio de Janeiro, cheio de versões, mas todas elas querendo levar a um mesmo caminho: a culpabilidade da mulher. Ela pode ter mentido, ela pode até ter combinado o encontro grupal, ela pode até ter chamado toda a comunidade para uma orgia sexual, mas ela é menor de idade!!!! A responsabilidade do ponto de vista criminal foi realizada.

Ah, mas ela sabia muito bem o que estava fazendo!, grita o grupo que coloca a cabeça no buraco, e não vê que toda a manifestação de repúdio foi uma maneira de colocar a tona a questão da #culturadoestupro. O IPEA divulgou essa semana que 70% dos casos de violência e abuso sexual acontecem dentro de casa. O pai ou padrasto, namorado ou marido, vizinho e primos. Literalmente morando com o inimigo. Então não é o tráfico, embora no caso dessa adolescente tenha sido um agravante, nem o baile funk, nem a comunidade pobre, que faz um estuprador. É uma cultura embutida e reproduzida por séculos em várias sociedades, como algo que não se deve mexer. Um baú de vergonhas consentidas. Por homens e mulheres, afinal falo aqui de cultura, aquilo que se cultua, cultiva.

Vamos aos números então, apenas 35% de estupro são notificados no Brasil. Por que isso? Porque é vergonhoso. Vergonhoso para quem sofre e não quem pratica, não é mesmo? Porque a mulher deu mole, por causa da roupa, do comportamento, da bebida, sempre os bodes expiatórios da prática da violência, dizem as avestruzes. Mas ignoram a cantada do chefe, o amigo que insiste em um beijinho que não vai dar nada, no boyzinho da balada que intercepta a menina na ida do banheiro, passando a mão no pênis, nos insultos da rua, tidos pelo machismo como elogios. Esta passando da hora de tirar a venda dos olhos, os tampões dos ouvidos e saber que toda mulher, ao menos uma vez na vida já sentiu algum medo da violação de seu corpo. Seja ele real ou imaginário.

De acordo com o 9º Anuário de Segurança Pública, 47.600 pessoas foram estupradas no Brasil em 2014 e a cada 11 minutos uma pessoa sofria esse tipo de violência. E se considerarmos que só 35% desses casos são notificados, o número é bem maior. Então não ache que é #mimimi que a adolescente violentada coletivamente não seja uma vítima, não é só pelos 33, mas pelo que isso representa para todas as mulheres.

Sou avessa a responsabilizar e colocar os homens num caldeirão; o combate é contra a #culturadoestupro, sedimentada em conceitos ainda fortalecidos pela publicidade, família, igreja e talvez até pela sua amiga.

 

Ronise Vilela é jornalista e ativista de redes sociais.