As flores campestres e as paisagens — observou — têm um grave defeito: são gratuitas. O amor à Natureza não fornece trabalho a nenhuma fábrica. Foi, pois, decidido abolir o amor à Natureza, pelo menos entre as classes baixas; abolir o amor à Natureza, mas não a tendência para utilizar transportes […] fazemos o necessário para que todos os desportos ao ar livre exijam o emprego de aparelhagem complicada.

O trecho, retirado do romance distópico Admirável Mundo Novo, escrito em 1932 por Aldous Huxley sobre uma sociedade organizada em castas, na qual, a bem do consumo, as crianças deveriam ter brinquedos com inúmeras peças, facilmente quebráveis, para que a produção industrial crescesse continuamente.

Em quase cem anos, embora a obra permaneça incrivelmente atual, a mudança introduzida pelas questões da sustentabilidade nos dá hoje uma nova visão sobre os brinquedos infantis e mesmo as atividades de lazer dos adultos.

Reconhecida hoje como uma etapa da vida onde as brincadeiras e jogos ocupam papel preponderante na boa formação, diferentemente do que ocorria por exemplo na Idade Média, em que os infantes não passavam de adultos incompletos e irracionais, que necessitavam extremo disciplinamento, hoje estes gozam de um estatuto próprio e certo grau de autonomia, e as preocupações com a questão da preservação planetária — da água, dos animais, dos recursos — tem sido preferencialmente voltadas a eles, numa tentativa de que a aprendizagem precoce tenha mais efetividade do que os apelos contínuos feitos aos adultos.

O interessante é que foi apenas com a plena expansão da indústria que se estabeleceu socialmente o conceito de infância, como analisado por pensadores como Walter Benjamin, que no início do século XX relacionava a economia com o conceito do consumo nesta fase da vida, observando que a indústria de fabricação de brinquedos distinguiu os produtos realmente voltados à meninice daqueles que apenas refletiam um certo gosto de época, como miniaturas e enfeites de interesse de um público de mais idade, únicos comercializados para a garotada até o final do século XVIII.

Mas o comércio de brinquedos foi auxiliado também pelas mudanças no processo educacional, já que a partir do século XIX passa-se a entender a criança como um ser em formação, a ser protegida do trabalho, que até esta época era desempenhado em igualdade de condição com os mais velhos, com grande insalubridade para quase todos.

É também neste período que se desenvolvem novas áreas médicas, psicológicas e pedagógicas que tem a criança como centro, perspectiva de um humano mais completo e melhor para o futuro, embora infelizmente isso não tenha sido atingido em todas as culturas, pois as condições de educação e assistência não são acessíveis a muitas em todo planeta.

Na cultura ocidental são os já amadurecidos que produzem os discursos sobre a infância, caracterizando-a por uma literatura, programas de televisão e aplicativos para celulares específicos, que muitas vezes representam apenas uma idealização. Em particular no Brasil, parecemos muitas vezes bipolares: por um lado louvamos a pureza e sabedoria instintiva das crianças, por outro assistimos inertes a muitas delas vivendo nas ruas ou até utilizando drogas.

Nosso sistema educacional tem se preparado para instruí-las para a sustentabilidade, para viver com menos pegadas ecológicas, e até como possíveis orientadoras de suas famílias neste quesito.

Mas ainda não conseguimos alfabetizar a todas, nem garantir qualidade no processo educativo, e estamos longe de conseguir afastar um grande contingente do trabalho infantil, muitas vezes realizado em condições degradantes.

Educar para a sustentabilidade, e ter na criança um grande aliado do tema, é objetivo ainda distante para o abandono em que crescem muitas delas.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.