Os nicaraguenses em julho de 1979 comemoraram a vitória das milícias da Frente Sandinista de Liberação Nacional, a FSLN, na derrubada da dinastia Somoza que dominara o país por cerca de 50 anos. Estive em Managua e em León quando recém fazia um mês da fuga de Anastacio Somoza para Miami. Nas noites ainda se ouviam disparos das forças remanescentes e a moeda nacional, o córdoba, fora substituído pelo córdoba revolucionário por meio de um simples carimbo assentado a cada nota. Agora, 37 anos depois, o país segue amargando o penúltimo lugar em termos de Pib per capita nas Américas (supera apenas o Haiti) e se vê nas mãos de uma nova dinastia. 

Daniel Ortega foi presidente de 85 a 90, sendo então derrotado por Violeta Chamorro. Aprendeu a lição e, ao ser eleito em 2007 não mais deixou o poder. Nas eleições de 6 de novembro de 2016 concorreu ao 3º mandato consecutivo e venceu de goleada, com 72% dos votos. O posto eleitoral onde votou fica ao lado de sua casa, mas ele fez questão de chegar em seu luxuoso Mercedes Benz último tipo Como o voto não é obrigatório, segundo observadores independentes (o governo proibiu missões de supervisão internacional), os locais de votação ficaram quase vazios o dia todo, resultando numa abstenção nacional em torno dos 70%. Na verdade, do total de 3,4 milhões de eleitores habilitados, apenas 734 mil (72% dos que compareceram às urnas) votaram em Daniel Ortega. Para evitar qualquer surpresa desagradável, os 28 deputados (16 titulares e 12 suplentes) remanescentes da oposição tiveram seus mandatos cassados quatro meses antes do pleito, por não terem aceito a imposição da Corte Suprema de Justiça – toda ela sandinista – que substituíra o líder das oposições Eduardo Montealegre por um deputado favorável ao governo, Pedro Reyes. Mesmo a diminuta bancada de direita, do Partido Liberal Constitucionalista, apoia Ortega. No pleito presidencial ainda se inscreveram cinco outros candidatos que, desconhecidos pela população, tiveram votação marginal.
Como vice de sua chapa, Daniel colocou a própria esposa, Rosario Murillo, o que assegura a continuidade do clã familiar no poder, caso ele venha a falecer. Os Ortega são hoje os donos da Nicarágua. Seus 8 filhos dominam a estrutura de comunicações, desde a rádio Yá, a mais ouvida, cujo dono é Rafael, 43, o mais velho, até as quatro redes de televisão onde trabalham os demais, inclusive Luciana, 23 anos, a mais nova. A verdadeira força de Rosario vem da sua aceitação das relações sexuais do marido com sua filha (de casamento anterior) Zoilamérica, estuprada pelo padrasto (Daniel Ortega) desde os 11 anos de idade. Apesar disso, hoje o casal parece relacionar-se maravilhosamente. Daniel e Rosario, sorridentes, fizeram a campanha lado a lado e administram o país em plena comunhão de ideias e ações. Zoilamérica, registrada como Ortega Murillo, continua denunciando os abusos sofridos, mas Daniel nunca foi condenado e ela, perseguida na Nicarágua, hoje – socióloga e com três filhos – vive exilada na Costa Rica, como a única a não participar das riquezas acumuladas pela família. Rafael, p.ex., tem a seu cargo a distribuição de petróleo no país e é acusado de desviar para as arcas familiares cerca de US$ 3 bilhões provenientes da cooperação venezuelana.
Outro filho, Laureano Ortega, administra a empresa que deve executar o megalômano projeto do Canal Interoceânico de ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico que mantém a população dividida por acusações como a de que destruiria o Lago Nicarágua, a grande reserva de água potável do país. Orçado em cerca de 50 bilhões de dólares, tem como financiador o bilionário chinês Wang Jing que ganhou de Ortega em 2013 a concessão para construir e operar um canal de 278 km (o triplo de vizinho Canal do Panamá), que até o momento não saiu do papel. O misterioso Jing contaria com o apoio do governo chinês, mas no ano passado as ações da Telefônica Xinwei desabaram na queda da bolsa chinesa, fazendo-o perder algo como 84% de sua fortuna.
Já a face militar do regime se fortalece para preocupação dos países limítrofes. A Rússia de Putin entregou 20 tanques de guerra T-72B (dos 50 previstos no acordo de cooperação técnico-militar entre as duas nações), juntando-se a helicópteros, sistemas de defesa antiaérea e veículos blindados enviados anteriormente.
Quais os próximos passos? Face à crise econômica e política pela qual passa a Venezuela e com Cuba estreitando laços com os EUA, cada vez mais os Ortega terão de lutar com os escassos recursos que a empobrecida Nicarágua lhes possa fornecer.

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional