A autônoma Leonilda Freitas, de 54 anos, fez o que pôde para manter o filho Murilo na escola. Com Síndrome de Down, o garoto sempre teve dificuldade em ser aceito nos colégios e atendido em suas necessidades. Os problemas começaram logo no início do ensino fundamental e se estenderam até o 9º ano, quando a mãe decidiu tirá-lo da escola tradicional. “A sensação é de estar em uma ribanceira”, relata.

Como Murilo, alunos com deficiência têm avançado em menor proporção na “escada” do sistema educacional, apesar dos esforços de inclusão. O Censo da Educação Básica de 2016 mostra que a participação de estudantes com deficiência cai a cada etapa. Nos anos iniciais do ensino fundamental (1.º ao 5.º ano), 3% têm alguma deficiência – física e/ou intelectual. Nos finais, 2%. Já no ensino médio, essa taxa cai para 0,9%.

Especialistas afirmam que todos, não importa o tipo de deficiência, devem ter o direito de concluir estas etapas. Já no ensino superior, que não é obrigatório, há ainda menos alunos com deficiência: só 0,5% do total, segundo o Censo da Educação Superior mais recente, de 2015.

“Sempre fui pela bandeira da inclusão. Meu filho foi quase uma ‘cobaia’, porque estudou em escolas regulares desde o início”, diz Leonilda. Mas, apesar das tentativas, os professores diziam a ela que não tinham preparo para ensinar o garoto, que concluiu o fundamental sem saber formar uma frase sozinho.

No ensino médio, nenhuma escola dizia ter preparo para atendê-lo E ele, agora com 16 anos, sabe escrever em um ditado, mas não junta as palavras. “Não há metodologia de ensino. Tentei dar autonomia, mas hoje ele não está na escola. Faz oficinas em escola especial.”

As dificuldades, em todas as etapas, passam principalmente pela falta de formação docente e de infraestrutura. “É importante que no Brasil haja debate mais aprofundado sobre formação docente para educação inclusiva”, diz Priscila Cruz, do Todos pela Educação.

Para ela, houve avanço no País desde a implementação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva – quando as redes educacionais tiveram de matricular alunos com deficiência em salas regulares.

Dados comprovam que a política se efetivou: em 2007, só metade dos alunos com deficiência estava em escolas regulares, 12% em classes especiais — salas adaptadas em colégios regulares — e 38% em escolas exclusivas. No ano passado, eram 96,3% em classes comuns.

A dona de casa Márcia Maria Batista, de 39 anos, enfrenta uma batalha para manter os filhos na sala de aula. Thamirys, de 9 anos, e Renan, de 11, têm paralisia cerebral. Ele foi para um colégio regular, mas não se adaptou. “Como tem baixa visão e audição, tentei colocá-lo em escola comum. Não deu certo. Ele é diferente, tem quadro mais grave.” Então ela optou pela escola especial, onde diz que há “atendimento melhor”.

Mesmo no caso de Thamirys, que conseguiu manter em escola municipal regular, há reclamações. “Tenho de brigar quase todo dia, pois ela tem dificuldade para comer e não dão comida na boca nem trocam fralda.” Como a menina não fala nem escreve sozinha – alguém precisa segurar em sua mão – a maior queixa da escola, diz a mãe, é de que há poucos profissionais.


COM PARALISIA, JOVEM SE FORMA JORNALISTA
A jornalista Ana Raquel Périco Mangili, de 22 anos, teve todos os motivos para abandonar os estudos. Mesmo em colégios particulares, ela relata a falta de profissionais preparados, a necessidade de contratar especialistas próprios para tarefas básicas — o que deveria ser garantido pela própria escola, segundo a lei — e a falta de acessibilidade. Portadora de distonia generalizada — espécie de paralisia cerebral rara, que afeta principalmente o movimento dos braços, e deficiência auditiva —, ela se formou em 2016 em jornalismo pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Uma das maiores dificuldades era encontrar escolas que atendessem às suas necessidades na pequena cidade de Barra Bonita, com só 35 mil habitantes, onde havia quatro escolas de ensino médio.

No ensino médio, a jovem era a única com deficiência em toda a escola. Isso fez com que, muitas vezes, suas demandas fossem ignoradas. Em um dos casos, solicitou adaptação dos materiais audiovisuais usados em sala, com legendas específicas. “A escola não fornecia isso. Os professores passavam vídeos sem legendas e só me pediam desculpas. A escola afirmava que a demanda não justificava o trabalho, pois só tinha ela “, relata.

No ensino fundamental, os pais precisaram custear uma monitora dos 5 aos 13 anos. “O que (a escola) oferecia era uma ajuda das próprias serventes da escola na hora do intervalo. Pela minha pouca mobilidade dos braços, eu preciso de acompanhante em tempo integral. É comum que as escolas se neguem a oferecer este tipo de recurso.”

A situação só começou a melhorar ao ingressar no ensino superior, em 2013. Na Unesp de Bauru, a 45 minutos da sua cidade, Ana Raquel conta que havia uma monitora que já a esperava no ponto de ônibus. “As questões de acessibilidade melhoraram muito, conta.

Ana Raquel conseguiu até um monitor para um intercâmbio: estudou 21 dias na Universidade de Salamanca, na Espanha, com todas as despesas pagas.

O trabalho de conclusão de curso foi a produção de um site — dyskinesis.com — de notícias e informações para pessoas com distúrbios de movimento no Brasil e pesquisadores do tema.

O potencial humano de cada um transcende essas barreiras, e, para isso, se faz necessário apoio social e de acessibilidade para termos mais igualdade de oportunidades e futuros plenos para todos”, escreve Ana Raquel, no texto de apresentação do seu site.


Ministério fala de programas
O Ministério da Educação informa que tem programas para a inclusão, como formação continuada de docentes e recursos para adaptações arquitetônicas e tecnológicas em colégios. Em dezembro, os repasses contemplaram 4.265 novas escolas. Também investe, diz, na distribuição de livros e veículos de transporte escolar acessíveis.