Na rica Europa, sua região sul (Portugal, Espanha, Itália e Grécia) tem um padrão de renda comparativa, menor do que as nações da região norte. A renda per capita daqueles países, proporcionalmente, tem uma variável de 49% a 67% da per capita dos norte-americanos. No Brasil essa mesma proporção, em relação aos EUA, fica por volta de 30%. A diferença é enorme e comprova que nossa situação não é confortável. Para alcançar o padrão de renda do sul da Europa, com uma taxa de crescimento médio anual de 2,5% a 3%, advindo das fundamentais reformas estruturais que precisam serem feitas, o Brasil demoraria quase duas décadas. Com um crescimento anual médio de 4%, o tempo seria menor. Significa que, sem planejamento e reformas modernizadoras, viveremos engolfados em ciclos de crise. Potencialmente rico, mas capturado pelo patrimonialismo, edificou-se no Brasil realidade onde a iniquidade social e a ineficiência econômica formam um binômio poderoso e resistente a integrar o País na agenda do desenvolvimento sustentável.
O pesquisador sociólogo Sérgio Fausto, integrante do Gacint-USP, sintetizou a realidade sufocante desse binômio: As iniquidades sociais e as ineficiências econômicas no Brasil são tantas e estão em geral umbilicalmente associadas que é largo o caminho para avançar simultaneamente em reformas que reduzam tais iniquidades, simbolizadas pelo privilégio de corporações públicas e privadas, aumentando a eficiência na economia, prejudicada por mercados fechados, mal regulados, capturados por empresas politicamente bem conectadas.
Ao longo da sua formação histórica (colônia, império e república) o arcaísmo e o privilégio geraram a desigualdade social, a cidadania incompleta e a personalização das relações das suas elites. No livro Arcaismo como Projeto, o professor Manolo Florentino, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, constata: Os países são aquilo que suas elites querem que eles sejam. Logo, embora fruto de muita adaptação ao imponderável, reproduzir-se por meio de imensa diferença social parece ter sido um projeto exitoso no Brasil. A elite brasileira, expressada em todos os seus estratos econômicos, sociais, políticos e até intelectuais em vastos segmentos, tem total integração com a visão de pilhagem do Estado, com roupagens e inserções diferenciadas. As iniquidades sociais e a ineficiência econômica, por paradoxal que pareça, tem no capital e no trabalho o seu grande núcleo de sustentação.
Não querendo ficar solitário nesse diagnóstico, recorro ao professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas, Renato Fragelli: No Brasil, a direita quer um Estado grande, para que ele seja saqueado pelo patrimonialismo, enquanto a esquerda quer um Estado igualmente grande, para que ele seja saqueado pelo corporativismo. A Operação Lava Jato está provando, documentalmente, a força da aliança de patrimonialismo e corporativismo na sociedade brasileira. Reformar o Estado, construindo instituições públicas transparentes tem nesses aliados de ocasião, núcleos de forte resistência. E horror a reforma modernizadora.
As estruturas cartoriais vêm de longa presença na vida nacional fortalecendo o atraso e alimentando o patrimonialismo nas diferentes vertentes ideológicas. A inoperância das elites brasileiras em enfrentar essa realidade tem nas instituições do Estado, em todos os níveis, uma grande aliada. O que provoca angústia em quem deseja ver um Brasil desenvolvido e solidário com o seu povo. É o caso do sociólogo e pesquisador em Ciências Sociais, Zander Navarro: A inacreditável indigência que caracteriza as nossas elites, seja no tocante ao seu minúsculo estofo cultural ou, então, em relação a sua própria incapacidade decisória. Todas elas, da política à empresarial, da educacional à estatal, da Justiça à científica. Não há grupo algum a quem possamos entregar o bastão e pedir que nos conduza para um futuro mais radiante.
Felizmente, nesse cenário angustiante, os moradores da periferia de São Paulo enxergaram o que é possível ser o caminho para superar as iniquidades sociais e a ineficiência econômica. Pesquisa qualitativa realizada pela Fundação Perseu Abramo, núcleo acadêmico do PT, retrata o verdadeiro pensamento do povo trabalhador. Consideram o Estado um inimigo, por arrecadar bilhões e oferecer serviços de péssima qualidade. Acreditam na ascensão social pelo mérito e 40% desejam fazer do empreendedorismo a meta de vida. Desejam um Estado eficiente para poder crescer, recusando o rótulo de pobre coitado. Acreditam no futuro de poder ver os filhos ter as oportunidades que não tiveram. Os acadêmicos e militantes do pobrismo ficaram certamente decepcionados com a visão de mundo e realidade vivente da periferia paulistana. Alvíssaras!!!

Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991)