SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ponto de partida, nas palavras do chef, era mesmo improvável. Mas foi numa rua do centro paulistano, antes um reduto de prostituição e venda de drogas, que surgiu um dos melhores restaurantes do planeta, segundo o recém-divulgado ranking World’s 50 Best, da revista britânica Restaurant.


A Casa do Porco, espaço onde Jefferson Rueda estruturou todo um cardápio suíno, chegou à 39ª posição da lista, deixando para trás outros brasileiros que já galgaram o olimpo, entre eles o D.O.M., de Alex Atala, agora em 54º lugar.


Na cerimônia de premiação, nesta terça-feira (25), em Cingapura, Rueda lembrou as origens incomuns do restaurante à sombra do Copan, onde sua mulher, Janaína, comanda o famoso Bar da Dona Onça.


“Estou muito feliz. Além de divulgar a gastronomia brasileira, é o momento para falar sobre o trabalho que fazemos na Casa do Porco, que é cuidar de toda a cadeia alimentar, garantir sustentabilidade e acessibilidade com um menu-degustação a R$ 125 para 15 mil pessoas por mês. Tudo isso em um lugar improvável, o centro de São Paulo, frequentado por todas as classes sociais.”


Jeffinho, como é conhecido, defende restaurantes acolhedores, onde salão e cozinha recebem o cliente para experiências únicas e divertidas.


Isso vale para os Rueda, mas também para a mexicana Daniela Soto-Ines, nomeada a melhor chef mulher do mundo e dona da 28ª posição pelo Cosme, em Nova York. “Decidi que, se fosse para administrar minha própria cozinha, teria de ser como as cozinhas em que cresci: cheias de alegria e felicidade.”


Talvez seja ainda o caso do novo melhor restaurante do mundo. E ele não é espanhol nem faz a nova cozinha nórdica. O Mirazur fica quase na fronteira com a Itália, em Menton, e é o primeiro restaurante da França a liderar o 50 Best, lista criada em 2002. A casa tem uma bandeira multinacional -pertence ao argentino Mauro Colagreco, casado com uma brasileira.


Uma surpresa. Se bem que uma surpresa nem tão chocante assim, afinal, o ano já começou dando a deixa.


Em janeiro, o Guia Michelin, premiação mais longeva no cenário gastronômico, lançou sua edição fetiche -a francesa. Pela primeira vez, bateu na tecla da renovação. Além de aumentar a constelação, deu três estrelas inéditas a um estrangeiro. Adivinhem quem? O mesmo Colagreco.


Além disso, reverenciou a importância de toda a brigada, premiando o serviço e a sommellerie, e, acima de tudo, tentou se redimir levando mais mulheres ao pódio.


Uma delas, Jessica Préapalto, também foi considerada a melhor confeiteira do mundo.


A chef pâtissière do triplamente estrelado Alain Ducasse au Plaza Athénée, em Paris, fez questão de tocar em igualdade de gêneros em seu discurso. “A personalidade do chef, sua maneira de gerenciar a equipe e de pensar sobre sua culinária não mudam se ele é homem ou mulher. É impossível detectar a feminilidade em um prato. É a formação que faz o profissional.”


Em contrapartida, pode-se dizer que, se existe um inconsciente coletivo gourmet, ele é coerente. Tanto que os mais de mil jurados da lista mais aguardada pelos foodies do mundo todo apontam uníssonos para um “ser igual, mas diferente”. Em outras palavras, à necessidade de respeitar os produtos e de ser sustentável enquanto conta histórias próprias.


A mesma percepção vale para o japonês Zaiyu Hasegawa, do Den, em Tóquio (11º), para o tailandês Gaggan Anand, do Gaggan, em Bangcoc (4º) e para o remodelado dinamarquês Noma 2.0, em Copenhague (2º). Quiçá seja essa combinação alegre que mantenha os espanhóis tão fortemente presentes no listão.


Claro, não só ela. A Espanha tem a sorte dos insumos bascos, um respeito cultural pelo comer e um time de cozinheiros que vivenciou a culinária francesa profundamente até o ponto de dar um twist nela.


Não à toa, o país tem três representantes entre os dez melhores restaurantes do planeta (Asador Etxebarri, o 3º, Mugaritz, o 7º, e Disfrutar, o 9º). Seguida de perto pela Dinamarca (Noma, em 2º, e Geranium, em 5º) e pelo Peru (Central, em 6º, e Maido, em 10º). A primeira simboliza a nova cozinha nórdica; a segunda, a efervescência gastronômica de Lima.


LISTAS PARALELAS TÊM MELHOR DOS MELHORES E ‘GRUPO DE ACESSO’


Além dos 50 melhores restaurantes do mundo, há uma lista dos melhores dos melhores, uma categoria paralela para classificar antigos vencedores, atualmente constituída por Eleven Madison Park, El Bulli, El Celler de Can Roca, Fat Duck, The French Laundry, Osteria Francescana e Noma (o original).


O que mais se comentou é que só por isso Colagreco levou o troféu do ano. Maledicências à parte, foi um gostinho a mais para os latino-americanos, já que ele levantou as bandeiras da Argentina e do Brasil. No nosso caso, o país já não conta mais com representantes entre os dez primeiros (o D.O.M., de Alex Atala, já desempenhou o papel, mas hoje está na 54ª posição), porém, entre os 100 melhores, traz o Maní, de Helena Rizzo (73º), o Lasai, de Rafa Costa e Silva (74º), e o Oteque, de Alberto Landgraf (100º).


“Foi inesperado, pois abrimos faz um ano e nem temos redes sociais. Eu queria um restaurante que fosse menos estressante, onde me sentisse bem trabalhando, onde tivesse qualidade máxima dos ingredientes que posso comprar”, afirma Landgraf.


Seu vizinho em Botafogo, Rafa Costa e Silva, concorda. “Acho que a cozinha brasileira está muito bem representada com todos os brasileiros na lista, mas merecemos ser mais numerosos. Não ter Manu, Olympe, Oro e Tuju nessa lista é uma injustiça. Se qualquer um desses restaurantes estivesse na Europa, estaria nela com certeza.”