Na literatura latino americana o realismo mágico retrata acontecimentos fantásticos improváveis de acontecer. O livro Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, Premio Nobel de 1982, é uma ficção sofisticada tendo a aldeia de Macondo como geografia e a família Buendía como personagem. No Brasil, aconteceu o impossível: a realidade conseguiu superar a ficção, retratada na captura do Estado pelo poder econômico e político cleptocrático. O realismo da corrupção, envolvendo as elites econômicas, políticas, corporativistas estatais e adjacentes supera qualquer obra de ficção por mais genial que seja o seu criador. A logística era pilhagem organizada do dinheiro público, com caixa 2, propinas, venda de medidas provisórias no executivo e no legislativo. Vantagens indecorosas a agentes públicos transformaram a administração da República em aliança criminosa entre os poderes públicos e privados,
Plus rien à faire,  plus rien à foutre (não estou nem aí, estou pouco me lixando) é o título de um livro francês que deve estar servindo de orientação para os corruptos e corruptores brasileiros. A arrogância, o cinismo e a autossuficiência dos envolvidos no roubo deslavado ao contribuinte são chocantes. Estima-se que para 1 milhão de reais dado aos malandros, o lucro do grupo empresarial era de 4 milhões de reais. Realidade que envergonha os brasileiros decentes nos vários quadrantes da Pátria. Muitos dos investigados na maior estrutura de corrupção da história brasileira raciocinam no quanto pior melhor. Acreditam que, mergulhados na lama podre, desejam jogar o Brasil e as suas instituições no caos.
Especialistas em porta de mansão negam a existência de qualquer tipo de delito. Desejam jogar com o tempo e forçar um grande acordo onde todos se salvariam. Ignoram que o pior está ainda por acontecer. No livro Animal Moral, de Robert Wright, recentemente o jornalista Hélio Schwartsman, na Folha de São Paulo, citava o pensamento do autor sobre habilidade e virtude no campo jurídico: O cérebro é como um bom advogado, dado um conjunto de interesses a defender, ele se põe a convencer o mundo de sua correção lógica e moral, independentemente de qualquer uma das duas. Como um advogado, o cérebro humano quer vitória, não verdade: e como um advogado, ele é muitas vezes mais admirável por sua habilidade do que por sua virtude.
Certamente é nessa habilidade que o senador Romero Jucá, presidente do PMDB e líder do governo Temer, deve acreditar ao afirmar: Delação premiada virou ficção premiada. Figura pública envolvida em várias patranhas em tempos passados e presente, na Lava Jato, ele é citado por delatores por recebimento de milhões de reais. No balcão de vendas de medidas provisórias é personagem ativíssimo. Jucá certamente acredita que os especialistas, para quem a verdade nada vale, transformarão às provas materiais da corrupção em ficção. Os delatores da Odebrecht nominaram diversas Medidas Provisórias compradas pela empresa nos governos Lula e Dilma. O senador Romero Jucá é nominado como beneficiário na maioria delas, juntamente com os seus aliados partidários.
Segue-se a relação: MP 252/05, redução do PIS e COFINS na importação de nafta; MP 472/09, regime especial para desenvolvimento da indústria petrolífera no norte, nordeste, centro oeste; MP 613/13, redução tributária para importação de insumos petroquímicos; MP 563/12, desoneração da folha de pagamento, com emenda beneficiando a importação de nafta (todas elas beneficiando a petroquímica Braskem do grupo Odebrecht); MP 677/15, contratos de energia subsidiada dá para grandes consumidores do nordeste; MP 449/08, prazo para pagamento de tributos atrasados, com desconto de juros e multa: MP-651/14, modificando o Refis com desoneração; e, MP-460/15, redução de tributos. Todas MPs tornaram-se leis. A origem das MPs é o poder executivo e deve ser aprovada pelo legislativo. Todas tinham por objetivo gerar vantagens para o grupo Odebrecht e segundo os seus diretores, réus na Lava Jato, os parlamentares foram muito bem remunerados.
A contextualização desse cenário de corrupção empresarial e de política de Estado é estarrecedora. Homens públicos no executivo e no legislativo, transformados em serviçais do poder econômico. Mesadas, propinas, dinheiro abundante na escala de bilhões alocados nos bolsos e patrimônios de ladravazes de colarinho branco. Não obstante as provas documentais, os denunciados e seus advogados garantem que são todos vítimas de mentiras e falsidades. Felizmente a robustez das provas documentais capturadas pela Polícia Federal e Ministério Público Federal, integrantes dos anexos das delações e de 900 horas de gravação, somente dos delatores da Odebrecht, vão demonstrar que muita água ainda vai passar por baixo da ponte. Novas delações de empresários e de figuras públicas ainda acontecerão. Aguardem novos e chocantes depoimentos nos próximos meses e talvez anos, se desejo do ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci se transformar em realidade. É um tempo de envergonhar a própria vergonha.

Hélio Duque é doutor em Ciências. Foi Deputado Federal (1978-1991)