A República investigada e a metralhadora de Joesley era a manchete de importante jornal brasileiro. Em Salvador, o advogado Antonio Pessoa Cardoso, diante da declaração premiada de Joesley Batista, foi certeiro: Não se pode aceitar como delator, criminosos confessos que obtém a permissão de autoridades para esmiuçar a vida de seus semelhantes e fabricar provas com gravações e outras artimanhas com o fito exclusivo de livrar-se de processos e da cadeia. A prova preparada com o objetivo de obter o perdão não condiz com o sistema da delação. A sensação de tornar-se herói no mar de lama que vivemos permite o uso de todos os recursos.
No mesmo diapasão, o colunista Alcelmo Gois, em O Globo (15-6-2017), adverte: Para justificar as regalias recebidas, Joesley diz ter denunciado 1.893 agentes políticos contra 70 dedurados por Marcelo Odebrecht, 50 por Ricardo Pessoa, 32 por Otávio Azevedo e 31 por Sérgio Machado. Ora, se ele corrompeu mais gente merece punição maior, certo?. Na Folha de S.Paulo (19-06-2017), o jornalista Vinicius Mota, registra: Quando não há limites para a delação, o conjunto de incentivos que deveria levar ao bem maior para a sociedade entra em parafuso. A esperteza de criminosos confessos, entretanto, vão alargando as fronteiras do instituto no Brasil. Se delinquir, delate O empresário Flávio Rocha, presidente do Grupo Riachuelo, vai mais longe alertando sobre a cumplicidade de Janot com o Friboi Joesley.
As citações demonstram que os benefícios exagerados concedidos pela PGR e, agora, homologados parcialmente pelo STF, não é matéria consensual na sociedade. Alguns ministros da corte votaram pelo respeito legal ao princípio das delações, mas destacaram que no caso JBS, se sólidas provas factuais não se sustentarem, a anulação dos benefícios pessoais obtidos poderá acontecer.
A rigor, na vida republicana brasileira, a corrupção sistêmica alastrou-se pelas artérias da nação. E tem na sua estrutura de poder, em todos os níveis, o principal responsável. É muito mais ampla do que os fatos até agora investigados vem comprovando. A aliança de corruptores o corruptos no Brasil não mais é fato recente, mas na dimensão transoceânica que vicejou na última década e meia, é inédita. O dinheiro público foi drenado e assaltado em velocidade de fórmula 1. Grupos oportunistas apelidados de campeões nacionais do desenvolvimento deitaram e rolaram. Quem se lembra de Eike Batista, que queria ser o homem mais rico do mundo? Suas empresas viraram pó e atualmente cumpre prisão domiciliar.
Os outros Batista, os irmãos Joesley e Wesley, montaram a maior empresa do mundo em proteína animal, com dinheiro público. De média empresa em 2003, a JBS em 2006 já faturava R$ 4 bilhões. Graças ao financiamento público em escala incontrolável e sociedade com o BNDES, que detém 22% do seu capital e a Caixa Econômica, com 5%, totaliza 27% de dinheiro do contribuinte na empresa. O que impediu a transferência da sede JBS para a Irlanda. Os seus controladores são donos de 44% das suas ações e os acionistas minoritários ficam com 29%. A sua dívida bruta é de R$ 58,6 bilhões com vencimento de 31% nos próximos 12 meses.
Para a sua expansão internacional comprou, nos EUA, o grupo Swift, por 2,7 bilhões de dólares, com recursos integrais do BNDES. Na compra do grupo Alpargatas, no valor de R$ 2,3 bilhões, o dinheiro foi da Caixa Econômica Federal. Na fábrica de celulose Eldorado, os recursos foram do Fundo de Investimento do FGTS (patrimônio dos trabalhadores) e dos Fundos de Pensão Petros(Petrobrás); Previ (Banco do Brasil); e Funcef (Caixa Econômica). A dívida total da Eldorado é de R$ 8,5 bilhões. O Banco Original do JBS tem dívida de R$ 3,5 bilhões junto ao FGC (Fundo Garantidor de Crédito). E o seu patrimônio líquido é de R$ 2,7 bilhões. Nas linhas de crédito para o exterior que oxigena os negócios o Banco do Brasil garante R$ 5 bilhões; a Caixa Econômica, R$ 10 bilhões; o Santander R$ 4,5 bilhões; o Bradesco, R$ 3,2 bilhões; e o Itaú, R$ 1,5 bilhões.
Foi vivendo essa realidade de sufoco financeiro, além de 5 operações da Polícia Federal de combate à corrupção, que Joesley Batista procurou a PGR, em Brasília, para fazer a declaração premiada. O presidente da República, Michel Temer, conhecedor e partícipe dessa realidade como vice-presidente de Dilma Rousseff, recebeu na calada da noite o empresário malfeitor no Palácio do Jaburu, sendo gravado em conversas imorais e antirrepublicanas. Na outra ponta, o candidato presidencial do PSDB, Aécio Neves, igualmente gravado buscando vantagens financeiras. Levando o Brasil a viver a presente crise. A PGR e o STF, vivendo em tempo de pós-verdade, apesar dos ilícitos do empresário marginal, garantiu ao réu anistia ampla, geral e irrestrita. Inacreditável.

Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP)